A filósofa (e baronesa) britânica Onora O'Neill (Cambridge) recebeu o Prêmio Holberg que tem por objetivo reconhecer a contribuição de acadêmicos e acadêmicas no campo das ciências sociais e humanidades. O'Neill foi escolhida pelo comitê por seu trabalho sobre a filosofia moral contemporânea (especialmente pela revitalização da filosofia moral de Kant) e por seus trabalhos sobre direitos humanos e confiança pública nas instituições. Em edições anteriores, já foram laureados pelo prêmio a crítica Julia Kristeva e os filósofos Ronald Dworkin e Jurgen Habermas.
Em um longa entrevista encontrada concedida à fundação Holberg (ver aqui), O'Neill avalia a sua carreira como filósofa (uma das primeiras filósofas da acadêmica britânica) e as principais contribuições de sua obra para o campo. Na entrevista, O'Neill conta como seu interesse pela filosofia de Kant foi despertada inicialmente por Stanley Cavell e pelo filósofo da matemática Charles Parsons, ambos professores em Havard nos anos 60 . Foi em Harvard também que O'Neill defendeu a sua tese sob a orientação de John Rawls, então prestes a publicar sua grande obra Uma Teoria da Justiça.
O que é menos conhecido é que o primeiro trabalho de O'Neill na filosofia (até chegar em Harvard ela havia se dedicado à história) foi dedicado aos fundamentos da escolha racional e teve como interlocutor os trabalhos técnicos de Robert Nozick. Essa não é, contudo, uma informação tão estranha assim. Afinal, O'Neill é responsável pela publicação de um dos artigos mais instigantes sobre a relação necessária entre a racionalidade instrumental e o autonomia moral. Em Consistency in Action (1983) O'Neill procura demostrar como uma ética da autonomia racional pressupõe critérios instrumentais de consistência ainda que, evidentemente, tais critérios não sejam capazes de estabelecerem, por si só, um critério de consistência moral, tal como o fórmula de universalização das máximas para a ação.
A grande contribuição de O'Neill foi pavimentar reaproximação entre a filosofia kantiana e a filosofia analítica (alguns de seus artigos sobre Kant podem ser encontrados aqui). Na entrevista, O'Neill apresenta a sua (re)interpretação tendo como contraponto os trabalhos dos dois filósofos kantianos mais importantes do século XX: seu orientador, John Rawls, e o alemão Jurgen Habermas. É interessante notar como O'Neill procura agrupar Rawls e Habermas como membros de um projeto filosófico comum, a saber, a busca por critérios racionais de legitimidade e justiça em sociedades pluralistas, ao mesmo tempo em que distanciar-se de suas versões de construtivismo moral. Para O'Neill, a noção de razão pública, segundo a qual devemos formular nossos princípios levando em consideração os valores e os lugares de fala alheios, não deve ser entendida como um ideal a ser aplicado às reivindicações efetivas de uma sociedade democrática, mas sim como um pressuposto mais geral, necessário à própria racionalidade universal humana.
Mais recentemente, O'Neill tem se dedicado ao tema da justiça global, mais especificamente, criticando teorias centradas excessivamente sobre direitos e propondo uma realocação das obrigações de justiça na esfera global, e aos problemas da confiança (ou da falta dela) na esfera pública - objeto de sua Ted Talk de 2013 (ver abaixo). Por fim, O'Neill aborda os fenômenos recentes da volta do populismo de direito (especialmente no caso inglês) e do papel das novas mídias sociais em movimentos anti-democráticos. Para a filósofa, uma dos problemas centrais da democracia contemporânea diz respeito a falsa sensação de publicização de ideias no uso de ferramentas privadas de comunicação como Facebook e Twitter. Estabelecer as bases de uma esfera pública pública na era da informação talvez seja o principal desafio democrático para as próximas décadas.