O sociólogo Pedro Ferreira de Souza (UNB/IPEA) publicou um artigo na Folha de S. Paulo apresentando para o público geral os resultados de sua pesquisa acerca dos padrões históricos de desigualdade de renda no Brasil (o artigo acadêmico de Souza & Medeiros pode ser encontrado aqui). De acordo com Souza, de 1920 para cá, é possível demostrar que os índices de concentração de renda no Brasil atravessaram o século XX de modo constante e como um dos mais altos do mundo. A taxa de apropriação da riqueza nacional pelo 1% mais rico oscilou entre 20% e 25%, agravando-se nos dois períodos ditatoriais (para efeitos de referência, países altamente desiguais como os EUA hoje possuem aproximam-se de uma taxa de 20% enquanto a Europa de meados do século XX possui algo em torno de 15%). Além disso, Souza insiste que, surpreendentemente, a desigualdade não diminuiu nos últimos dez anos. Ou seja, a despeito da grande inclusão social ocorrida nas últimas décadas o topo da pirâmide social permaneceria inalterado.
A conclusão do artigo de Souza também é interessante: caso aceitemos que a desigualdade social brasileira é um problema grave e urgente, e caso queiramos fazer algo a respeito disso, então a dinâmica histórica da desigualdade no Brasil nos mostra que podemos crescer economicamente sem alterá-la de modo significativo: "esperar que o crescimento pura e simples resolva nossa questão distributiva não funcionou no passado e dificilmente funcionará no futuro".
A íntegra do artigo pode ser lida abaixo:
Os ricos e a desigualdade no Brasil
A íntegra do artigo pode ser lida abaixo:
Os ricos e a desigualdade no Brasil
Pedro Ferreira de Souza
O alto grau de concentração de renda entre os mais ricos é a característica marcante da desigualdade brasileira. Com base em dados históricos do imposto de renda, busquei recentemente recuperar a história dessa desigualdade desde os anos 1920, quando éramos ainda um país rural, com população menor do que a do Estado de São Paulo hoje.
De lá para cá, muita coisa mudou no Brasil, mas não a desigualdade. A concentração de renda no 1% mais rico da população adulta manteve-se em patamar alto, sem nenhuma tendência clara de longo prazo.
Ou seja, o bolo cresceu, mas não foi dividido. Com alguns pressupostos, pode-se estimar que a fração da renda recebida pelo 1% mais rico oscilou entre 20% e 25% durante boa parte do tempo. Em comparação, o 1% mais rico nos EUA recebe em torno de 20% –percentual que vem aumentando muito desde os anos 1970– e, na Europa continental, entre 10% e 15%.
Ao contrário do que se possa pensar, esse 1% mais rico não é composto no Brasil apenas por banqueiros e donos de empreiteiras. Esse centésimo mais rico da população adulta corresponde a um universo em torno de 1,5 milhão de pessoas com renda bruta mensal a partir de algo em torno de R$ 20 mil.
A ausência de tendências de longo prazo não significa, porém, que a concentração permaneceu estática ao longo do tempo. Pelo contrário, sua história é cheia de som e fúria, com idas e vindas abruptas, associadas a momentos políticos notórios.
Houve aumentos expressivos da desigualdade nos primeiros anos das duas ditaduras que tivemos no século 20: o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar (1964-1985). A crise política e econômica dos anos 1980 testemunhou outro aumento significativo. Em contrapartida, a queda mais prolongada da desigualdade ocorreu nos anos 1950, em especial durante o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961).
Surpreendentemente, tivemos poucas mudanças nos últimos 20 anos. Por falta de dados, pode-se dizer no máximo que houve queda da concentração de renda no topo entre o fim dos anos 1980 e a segunda metade da década de 1990.
Desde então, em contraste com o que indicam as pesquisas domiciliares, a fração dos mais ricos permaneceu relativamente constante, sugerindo que as mudanças recentes afetaram muito mais a parte de baixo da distribuição de renda.
Esses resultados reforçam a ideia de que a persistente desigualdade brasileira é fruto do efeito cumulativo de uma série de políticas públicas, que, em geral, evoluem apenas lentamente em períodos democráticos. Não é à toa que a concentração no topo só mudou rapidamente, para pior, depois de golpes que instituíram ditaduras.
Não há, portanto, bala de prata capaz de dar cabo da questão distributiva no Brasil. Tampouco há modelos internacionais que possamos copiar com facilidade. Nos EUA e em boa parte da Europa, por exemplo, a alta desigualdade do fim do século 19 só deu lugar a sociedades ditas de classe média depois dos choques causados pelas guerras e catástrofes da primeira metade do século 20.
Nosso avanço vai depender de reformas em muitas frentes –da composição da carga tributária à qualidade dos serviços públicos–, que trazem consigo grandes disputas políticas. Se quisermos nos aproximar dos níveis de desigualdades observados hoje nos países ricos, não há outra saída. Esperar que o crescimento puro e simples resolva nossa questão distributiva não funcionou no passado e dificilmente funcionará no futuro.