terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Dossiê Teoria Política Contemporânea (Lua Nova)

A última edição da revista Lua Nova publicou um dossiê especial dedicado às principais vertentes da teoria política contemporânea e como cada uma delas tem sido desenvolvida em nossa comunidade de pesquisa. Com esse objetivo, a revista reuniu alguns dos principais pesquisadores e pesquisadoras do campo entorno da seguinte pergunta: o que distingue um modo determinado de se fazer teoria política e quais os seus principais ganhos e desafios? A Teoria Crítica da Sociedade (uma das vertentes mais pesquisadas no Brasil) foi representada por Alessandro Pinzani (UFSC). Álvaro de Vita (USP) escreveu o artigo sobre teoria política normativa e Ricardo Silva (UFSC) sobre método genealógico e a teoria política histórica de modo geral. Rúrion Melo (USP) e Renato Perissinoto (UFPR) e José Szwako (IESP) ficaram responsáveis pelas diferentes intersecções entre teoria social e teoria política, focando na produção teórica com base em contextos empiricamente informados, no primeiro caso, e no papel dos movimentos sociais como agentes produtores de teorização política, no segundo.

Na introdução ao dossiê, as organizadoras Raquel Kritsch (UEL) e Raissa Ventura (USP) apresentam um balanço das correntes teóricas mais influentes das últimas décadas e, de modo ainda mais interessante, propõem que entendamos (i) a pluralidade de teorias, e (ii) o pluralismo teórico, como duas categorias centrais da teorização política contemporânea. Isto é, se, de modo mais ou menos trivial, o campo de pesquisa é marcado pela coexistência de perspectivas teóricas diferentes e antagônicas (pluralidade), é preciso notarmos também que a produção contemporânea tem incorporado o reconhecimento dessa pluralidade (o "fato do pluralismo") como um fundamento teórico importante. É como se as teorias contemporâneas estivessem se tornado cada vez mais cônscias dos limites epistemológicos e metodológicos de suas próprias escolhas, fato esse que, segundo as organizadoras, acabaria por aproximar as diferentes vertentes naquilo que diz respeito ao diálogo necessário com as ciências empíricas, de um lado, e, de outro, quanto reconhecimento da nossa atividade profissional como um trabalho ao mesmo tempo falível e coletivo.

A publicação é extremamente bem-vinda para a comunidade de teóricas e teóricos brasileiros que, por vezes, encontra certa dificuldade em apresentar uma identidade disciplinar própria frente às áreas de pesquisa adjacentes. Os artigos completos podem ser acessados abaixo:





Raquel Kritsch & Raissa W. Ventura

Esta introdução ao dossie de Teoria Política Contemporânea procura abordar, por meio de reflexão a respeito dos temas da pluralidade e do pluralismo, o diagnóstico de que a teoria política conta atualmente com multiplicidade de vocabulários e “fazeres”. Para tanto, apresentamos as cinco concepções de teoria política - normativa clássica, institucional, histórica, empírica e ideológica - localizadas por A. Vincent em 2004 e que teriam demarcado o terreno da disciplina bem como sua prática de meados do século XIX até nossos dias. Em seguida, procuramos justificar em dois passos de que modo a pluralidade e o pluralismo epistemológico constituem parte incontornável da produção de conhecimento levada a cabo neste campo. Concluímos que, dada sua atual condição de parcialidade, a produção de conhecimento na teoria política poderia ser mais bem exercida se fosse compreendida e tomada como empreendimento coletivo inacabado. Por fim, procedemos à breve apresentação dos artigos que compõem o dossiê.


Alessandro Pinzani

Este artigo defende, primeiramente, a ideia de que toda e qualquer teoria política é intrínseca e inevitavelmente normativa, mesmo quando afirma ser meramente descritiva e empírica. Ao fazer isso, o artigo estabelece uma diferença central entre teorias normativas “externalistas” e teorias normativas que assumem uma posição de crítica imanente. Em seguida defende uma posição próxima da defendida por Horkheimer, em 1937, e por Adorno, em 1961, de que é necessário desenvolver uma teoria crítica da sociedade que rechace a atitude positivista ou cientificista e reconheça as contradições inerentes ao seu próprio objeto. Para tanto, oferecerá algumas observações sobre possíveis caminhos para uma Teoria Crítica capaz de entender e criticar a sociedade contemporânea.


Álvaro de Vita

Este artigo tem o propósito de examinar certo modo de praticar a teoria política, característico da perspectiva teórica que pode ser denominada, em termos amplos, “justiça rawlsiana”. Em primeiro passo, e valendo-se de um termo cunhado por Ian Shapiro, sustenta-se que a teoria política normativa de matriz rawlsiana é essencialmente “orientada por problemas”. Examinam-se, a seguir, três problemas controversos que exemplificam essa característica metodológica: como conceber o cultivo e fortalecimento do senso de justiça dos cidadãos de uma sociedade democrática; a métrica normativa apropriada à justiça social; e a questão do suposto excesso de idealismo da teoria política normativa de orientação rawlsiana. A ideia é tanto explicitar certo modo de praticar a teoria política como evidenciar os recursos que a justiça rawlsiana tem para enfrentar, de seu próprio ponto de vista, objeções que lhe são feitas nessas três áreas de discus­são pública e teórica.


Ricardo Silva

Visando a apresentação de um caso exemplar da abordagem histórica da teoria política, este artigo examina momentos decisivos da trajetória intelectual de Quentin Skinner, de suas primeiras publicações às mais recentes. Observa-se que, com o passar das décadas, Skinner evolui de uma posição adversa para uma posição favorável ao intercâmbio entre a história do pensamento político e a teoria política contemporânea. Em seu esforço de provar a relevância do passado para a intelecção do presente, o autor afasta-se de suas prescrições contextualistas mais extremadas e passa a conceber seu método histórico nos termos da arqueologia e, mais recentemente, da genealogia. Argumenta-se que, a despeito de suas diferenças, as várias fases da metodologia de Skinner têm em comum o fato de derivarem de uma filosofia que situa o conflito ideológico no centro da vida política.


Flávia Biroli

O artigo procura investigar o que fazemos quando produzimos teoria política hoje a partir das teorias feministas da política, situando-as relativamente aos desenvolvimentos da ciência política na segunda metade do século XX. Analisa as conexões entre o empírico e o normativo em teorias que colocam em xeque o descolamento entre o conhecimento produzido, a posição de quem produz conhecimento e os valores predominantes em dado contexto social. A partir de um conjunto heterogêneo de abordagens, afirma que as teorias políticas são teorias de gênero mesmo quando não tratam dessa temática, discutindo as fronteiras entre o que é e o que não é considerado politicamente relevante no debate teórico.


Rúrion Melo

Este artigo procura pensar a relação complementar entre teoria política e pesquisa social. Para tanto, procura-se primeiramente especificar potenciais e limites do método reconstrutivo na teoria política e de que maneira poderia, de um lado, superar a dicotomia entre teorias empíricas e normativas da política e, de outro lado, apontar para uma constituição aberta dos conceitos políticos baseada em seus contextos históricos e sociais. Depois, ressalta-se a gênese social dos conceitos por uma análise da teoria do reconhecimento e de pesquisas sociais empíricas que têm ajudado na renovação e atualização desses fundamentos.



Este texto sugere que movimentos sociais podem ser entendidos como formuladores de “teoria política”, segundo definição específica e crítica, do que seria a vocação teórico-política. Inspirados pela chamada virada ideacional, e aproximando duas discussões afastadas na literatura (a saber, os debates entre teoria política e políticas públicas), este artigo analisa o impacto da ideia de “gênero” em duas políticas estabelecidas no Paraguai. Ao fim, argumentamos que a concepção de teoria política como crítica pública a um viés sistemático considerado injusto é adequada para entender os movimentos sociais não só como portadores de ideias, mas também como “autores em ação” ou “teóricos políticos coletivos”.