A repórter da
Folha de S. Paulo Eleonora de Lucena entrevistou para o caderno Ilustríssima desta semana o professor de teoria política
Ernesto Laclau (Essex). O teórico argentino lançou em português o livro
A Razão Populista, sua mais recente tentativa de resgatar o significado político (positivo, segundo Laclau) das experiências populistas no século XX. O importante para Laclau é a "forma" dos movimentos populistas - a divisão do campo político em duas forças antagônicas: "povo" x "dominantes" - e não exatamente seu "conteúdo", por vezes contraditórios. Além da entrevista, para os interessados nas propostas de re-atualização do conceito por Laclau, segue abaixo seu artigo de 2005 "Populism: What's in a name?".
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"O populismo não só tem sido degradado mas também denegrido. Seu rechaço tem sido parte da construção discursiva de certa normalidade, de um universo político ascético do qual sua lógica perigosa teria que ser excluída", diz. É dessa concepção de um mundo sem ação das massas que surgem as conhecidas ideias de que governos devem ser exercidos por técnicos e gestores teoricamente competentes? "Trocar a política pela administração tem sido sempre a ideologia conservadora das elites econômicas da América Latina", responde Laclau.
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E. Laclau: "Populism: What's in a name?"
Por ELEONORA DE LUCENA
O populismo foi essencial na construção de governos nacionais e populares na América Latina e "teve um papel enormemente positivo para a democracia no continente". A visão é do sociólogo e historiador argentino Ernesto Laclau, 78, um especialista no tema que divide o debate político e horroriza setores conservadores.
Parafraseando o célebre "Manifesto Comunista", de Karl Marx, ele afirma: "Há um fantasma que assombra a América Latina e esse fantasma é o populismo".Professor emérito de teoria política da Universidade de Essex (Grã-Bretanha), Laclau mergulha no fenômeno em "A Razão Populista" [trad. Carlos Eugênio Marcondes de Moura, Três Estrelas, R$ 69,90, 384 págs.].
Para ele, a ascensão de movimentos de massas no continente provoca mudanças em
governos, que assumem características nacional-populares. Há batalhas por alterações institucionais e inevitáveis choques com elites. Institucionalismo versus populismo -aí está o embate.
"A participação democrática das massas, com seus ideais comunitários, não se ajusta a Estados liberais tradicionais", afirma ele, em entrevista à Folha.
Afinal, as instituições nunca são neutras. "Elas são a cristalização de uma relação de forças entre grupos sociais. Quando mudam essas relações, as instituições -e até as constituições- precisam ser modificadas. Estamos num processo de mudança no qual as novas forças sociais estão fazendo novas demandas e, naturalmente, vão se chocar com vários aspectos constitucionais estabelecidos anteriormente, em sociedades que eram muito diferentes", analisa.
É para bloquear essa ascensão das massas que o poder conservador trata de se agarrar a essas antigas formas institucionais e faz uma cruzada antipopulista, avalia Laclau.
"Não que as instituições tenham que ser abolidas, mas precisam ser reformadas", pondera. "As instituições da República Velha do Brasil não funcionariam na sociedade contemporânea", exemplifica o professor.
Laclau se refere especialmente às mudanças institucionais ocorridas na Bolívia, no Equador e na Venezuela.
Nesse último país, diz que houve uma mudança radical, que deixou para trás uma sociedade desestruturada e com pouca participação de massas. Destaca o papel das "misiones" (os programas sociais chavistas), que formam grupos autônomos em distintos níveis da comunidade. "Essa sociedade necessita instituições novas, e os conservadores querem manter as instituições mais tradicionais."
Também no Equador o debate foi para mudar leis dos anos 1990, que refletiam o apogeu do neoliberalismo e das ideias do Consenso de Washington implantadas no país. Situações semelhantes ocorrem na Bolívia, com participação indígena, e na Argentina.
Pergunto sobre o alegado viés autoritário que, segundo alguns, está embutido em mudanças nesses países. Laclau diz que a acusação é absurda. Cita as eleições periódicas que ocorrem hoje no continente. E lembra as ditaduras que proliferaram por aqui no século 20, especialmente do Chile de Augusto Pinochet.
"Se houve um ataque autoritário às instituições, esse ataque não veio do populismo, veio do neoliberalismo", declara.