terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Reforma constitucional e "desmilitarização" da polícia.

O acirramento dos confrontos entre manifestantes e policiais e a crise da segurança pública no Rio de Janeiro (com o trágico caso do menor de idade acorrentado nu a um poste no bairro do Flamengo por moradores) a opnião pública volta mais uma vez ao debate da reforma da segurança pública. Em públicação no Boletim do Instituto Brasileiro de Estudos Criminais, antropólogo Luiz Eduardo Soares (UERJ) explica (e endossa) uma das únicas propostas concretas de reforma presentes na  agenda pública nacional: PEC 51. Entre os principais pontos da emenda constitucional estão a desmilitarização das polícias militares estudais e a "carreira única" na profissão, eliminando a distinção entre oficiais e praças nas policias militares (ou delegados e investigadores na polícia civi). 




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Por que a PEC-51 me parece decisiva? Por que considero indispensável e urgente a desmilitarização e a mudança do modelo policial? As respostas se apoiam na seguinte tese: o crescimento vertiginoso da população penitenciária no Brasil, a partir de 2002 e 2003, seu perfil social e de cor tão marcado, assim como a perversa seleção dos crimes privilegiados pelo foco repressivo, devem-se, prioritariamente, à arquitetura institucional da segurança pública, em especial à forma de organização das polícias, que dividem entre si o ciclo de trabalho, e ao caráter militar da polícia ostensiva. Devem-se também às políticas de segurança adotadas e não seria possível, no modo em que transcorre, se não vigorasse a desastrosa lei de drogas. Observe-se que a arquitetura institucional inscreve-se no campo mais abrangente da justiça criminal, o que, por sua vez, significa que o funcionamento das polícias, estruturadas nos termos ditados pelo modelo constitucionalmente estipulado, produz resultados na dupla interação: com as políticas criminais e com a linha de montagem que conecta polícia civil, Ministério Público, Justiça e sistema penitenciário. Pretendo demonstrar que a falência do sistema investigativo e a inépcia preventiva –entre cujos efeitos incluem-se a explosão de encarceramentos e seu viés racista e classista– são também os principais responsáveis pela insegurança, em suas duas manifestações mais dramáticas, a explosão de homicídios dolosos e da brutalidade policial letal.
Há pressupostos e implicações teóricas em minha hipótese que devem ser explicitados, assim como uma interlocução subjacente com a tese popularizada por Loic Wacquant, em sua influente obra, As Prisões da Miséria (Jorge Zahar Editora). O autor sugere conexões funcionais entre a adoção do receituário neoliberal nos Estados Unidos e o aumento dramático das taxas de encarceramento, sobretudo de pobres e negros. O neoliberalismo, ao promover o crescimento do desemprego, o esvaziamento de políticas sociais e a desmontagem de garantias individuais, exigiria a criminalização da pobreza para aplacar as demandas populares e evitar a eventual tradução política da exclusão em protagonismo crítico ou insurgente. Se o exército de reserva da força de trabalho não é mais necessário, dadas as peculiaridades do sistema econômico globalizado que transfere a exploração do trabalho para países dependentes, ou apresenta riscos de converter-se em fonte de instabilidade política, torna-se conveniente canalizar contingentes numeros dos descartáveis para o sistema penitenciário. Não por acaso, os EUA viriam a produzir a maior população penitenciária do mundo. Certo ou errado para o caso norte-americano, o diagnóstico não se aplica ao Brasil. Entre nós, a epidemia do encarceramento coincide com os governos do PT, que poderiam merecer todo tipo de crítica, menos as de serem neoliberais, promotores de desemprego e do desmonte de políticas e garantias sociais. Pelo contrário, não resta dúvida quanto às virtudes sociais dos mandatos do presidente Lula, durante os quais houve redução das desigualdades e ampliação do emprego e da renda. Contudo, nunca antes na história desse país prendeu-se tanto. Atribuo a expanção do encarceramento à combinação entre as estruturas organizacionais das polícias, a adoção de políticas de segurança que privilegiaram determinados focos seletivos e a vigência, seguida da potencialização discricionária da Lei de drogas. Tudo isso em um contexto de crescimento econômico e dinamismo social que intensifica as cobranças por elevação do rendimento de todas as instituições. Para demonstrar minha tese, impõe-se um percurso argumentativo.