Roberto Merrill (Minho) publicou no diário português Económico artigo em defesa de modelos pré-distributivos de justiça social. Ao contrário dos modelos clássicos de redistribuição, nos quais o Estado financia sua agenda social por meio de impostos sobre a renda, a pré-distribuição tem por objetivo equalizar as próprias regras de aquisição de recursos sociais, garantindo, dentre outras medidas, uma maior dispersão de capital entre os cidadãos.
Pré-distribuição
Roberto Merrill
Pré-distribuição
Roberto Merrill
Como promover hoje uma justiça social que funcione, depois da falência do Estado Social tal como concebido e implementado no século passado?
Tradicionalmente, as teorias da justiça distributiva permitem responder a esta pergunta formulando modelos de redistribuição das riquezas. Mas é tempo de admitir que o modelo do Estado Social redistributivo está agonizante: as políticas redistributivas não se têm revelado eficazes, pois os seus efeitos são insuficientes para resolver as causas básicas das desigualdades que colocam cada vez mais pessoas em situações de pobreza ou de precariedade.
Um alternativa plausível à redistribuição é a pré-distribuição. A ideia central da pré-distribuição é simples: em contraste com a redistribuição, que se limita a mitigar os resultados do mercado através de impostos e de transferências, a pré-distribuição modifica a estrutura do mercado para criar resultados mais justos desde o início, procurando modificar o poder económico dos indivíduos nos mercados. Uma política económica centrada na ideia de pré-distribuição tem a capacidade de criar uma nova agenda para a social-democracia, representando hoje uma alternativa plausível ao modelo clássico redistributivo do ‘welfare state'.
É de salientar que existem duas versões da pré-distribuição, uma versão débil e uma versão forte. Segundo a versão débil, o objectivo da pré-distribuição é o de se concentrar em reformas de mercado que incentivem uma distribuição mais equitativa do poder económico, antes do governo cobrar impostos. Num mundo onde a economia está em recessão e a necessária austeridade fiscal limita a acção política, esta versão débil da pré-distribuição permite justificar mais facilmente novas políticas sociais, já que elas não implicam a necessidade de aumentar as receitas para financiar as despesas sociais. Existem de facto muitas políticas que os governos podem promover sem gastar um euro para obter uma maior igualdade nos resultados do mercado, como legislar a favor dum salário mínimo mais substancial (vide o sucesso da campanha no Reino-Unido sobre o ‘living wage'), incentivar a formação profissional, colocar representantes dos trabalhadores nas comissões de remuneração das empresas. Estas formas de pré-distribuição que recompensam o trabalho são políticas relativamente incontroversas.
Existe no entanto uma versão mais radical da pré-distribuição segundo a qual a justiça social seria promovida dando a cada cidadão uma participação em capital, por exemplo na linha dos cheques bebé que nunca chegaram a ser aplicados por José Sócrates, ou de maneira mais ambiciosa, dando a todos os cidadãos um rendimento básico incondicional financiado em parte a partir de um dividendo sobre a propriedade comum dos recursos naturais, ou por meio de impostos sobre as transferências de capital e sobre as heranças.
Os políticos precisam de repensar nas possibilidades de uma agenda direccionada para a criação de uma economia mais eficaz e democrática, motivada pelos valores políticos gerais de liberdade, de igualdade de oportunidades e de justiça social. A pré-distribuição, sobretudo na sua versão forte, permite realizar estes valores fundamentais de maneira mais justa e eficaz.