quinta-feira, 30 de março de 2017

Chamada: Revisitar Rorty (Minho/2017)

O Grupo de Teoria Política da Universidade do Minho está recebendo propostas de trabalho para o evento Revisitar Richard Rorty, a ser realizado em setembro de 2017 na Universidade do Minho (Portugal). O encontro procura avaliar as contribuições de Rorty para a filosofia contemporânea dez anos após seu falecimento. São bem-vindos trabalhos de diferentes áreas -  epistemologia, filosofia política, história da filosofia, etc. - que dialoguem com esse legado. O palestrante convidado será o filósofo Robert Brandom (Pittsburgh).



Call for Papers: Revisitar Richard Rorty
Universidade do Minho (Braga)
25 e 26 de setembro, 2017

Keynote speaker: Robert Brandom (University of Pittsburgh)

No ano em que decorrem dez anos sobre a morte do filósofo norte-americano Richard Rorty, o Grupo de Teoria Política da Universidade do Minho organiza uma conferência internacional homenageando o trabalho de um dos mais relevantes filósofos do século XX. Para tal, convidamos ao envio de comunicações ou organização de painéis que se relacionem com qualquer um dos temas tratados por Richard Rorty.

Os tempos presentes convocam com especial acuidade temas a que Richard Rorty dedicou o seu trabalho, sobretudo no espaço em que a reflexão epistemológica se cruza com considerações políticas, como o papel desempenhado pelo conceito de verdade num momento marcado pela discussão em torno da pós-verdade, as reflexões em Achieving our Country sobre as possíveis consequências de uma esquerda académica espectatorial, ou a crescente consciência em torno da importância da linguagem nos modos de formular mundos. Apelamos, no entanto, ao envio de participações sobre qualquer outro tópico que se relacione com o pensamento do autor: metafilosofia, anti-representacionismo, novo pragmatismo, religião, ciência, filosofia analítica vs. filosofia continental, direitos humanos, feminismo, educação sentimental, função educacional da literatura, etc.; e naturalmente sobre posições críticas ao seu pensamento.

As propostas de comunicação ou painel (em português, inglês ou castelhano), com um máximo de 500 palavras e incluindo breve CV, nome da/o proponente, filiação institucional e endereço de e-mail, deverão ser enviadas até dia 15 de maio para o endereço: rortyconference@gmail.com

A confirmação será feita até ao dia 31 de maio. 

Inscrição:
Estudantes (qualquer grau): €35 
Pós-doc, contratos em part-time, etc.: €50 
Professores: €65

Publicação futura: Os participantes serão chamados a enviar as suas comunicações para uma publicação em torno da conferência.

Organização: Grupo de Teoria Política da Universidade do Minho: http://www.grupoteoriapolitica.org/



terça-feira, 28 de março de 2017

Nota da SBPC sobre a reforma no ensino médio

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou uma nota pública dirigida ao Ministério da Educação do governo Temer expressando séria preocupação sobre a qualidade do ensino no Brasil tendo em vista o modo como a reforma do ensino médio está sendo instituída. Um dos principais problemas da reforma, segundo a SBPC é a completa negligência do Ministério em relação aos meios pelos quais o governo federal irá garantir uma oferta pluralista dos chamados "itinerários educativos" criados pela nova legislação. A preocupação central é que essa negligência impacte drasticamente as grades curriculares das escolas com menos recursos e que, consequentemente, acabam sendo mais vulneráveis à falta das opções pedagógicas facultadas pela reforma. 

Como afirma o documento: "não podemos aceitar que a referida reforma suprima o acesso dos jovens ao conhecimento humano, organizado no campo das ciências naturais, das ciências humanas e das artes". A nota foi endossa também pela ANPOCS.




segunda-feira, 27 de março de 2017

Onora O'Neill recebe o Holberg Prize

A filósofa (e baronesa) britânica Onora O'Neill (Cambridge) recebeu o Prêmio Holberg que tem por objetivo reconhecer a contribuição de acadêmicos e acadêmicas no campo das ciências sociais e humanidades.  O'Neill foi escolhida pelo comitê por seu trabalho sobre a filosofia moral contemporânea (especialmente pela revitalização da filosofia moral de Kant) e por seus trabalhos sobre direitos humanos e confiança pública nas instituições. Em edições anteriores, já foram laureados pelo prêmio a crítica Julia Kristeva e os filósofos Ronald Dworkin e Jurgen Habermas.

Em um longa entrevista encontrada concedida à fundação Holberg (ver aqui), O'Neill avalia a sua carreira como filósofa (uma das primeiras filósofas da acadêmica britânica) e as principais contribuições de sua obra para o campo. Na entrevista, O'Neill conta como seu interesse pela filosofia de Kant foi despertada inicialmente por Stanley Cavell e pelo filósofo da matemática Charles Parsons, ambos professores em Havard nos anos 60 . Foi em Harvard também que O'Neill defendeu a sua tese sob a orientação de John Rawls, então prestes a publicar sua grande obra Uma Teoria da Justiça

O que é menos conhecido é que o primeiro trabalho de O'Neill na filosofia (até chegar em Harvard ela havia se dedicado à história) foi dedicado aos fundamentos da escolha racional e teve como interlocutor os trabalhos técnicos de Robert Nozick. Essa não é, contudo, uma informação tão estranha assim. Afinal, O'Neill é responsável pela publicação de um dos artigos mais instigantes sobre a relação necessária entre a racionalidade instrumental e o autonomia moral. Em Consistency in Action (1983) O'Neill procura demostrar como uma ética da autonomia racional pressupõe critérios instrumentais de consistência ainda que, evidentemente, tais critérios não sejam capazes de estabelecerem, por si só, um critério de consistência moral, tal como o fórmula de universalização das máximas para a ação. 

A grande contribuição de O'Neill foi pavimentar reaproximação entre a filosofia kantiana e a filosofia analítica (alguns de seus artigos sobre Kant podem ser encontrados aqui). Na entrevista, O'Neill apresenta a sua (re)interpretação tendo como contraponto os trabalhos dos dois filósofos kantianos mais importantes do século XX: seu orientador, John Rawls, e o alemão Jurgen Habermas. É interessante notar como O'Neill procura agrupar Rawls e Habermas como membros de um projeto filosófico comum, a saber, a busca por critérios racionais de legitimidade e justiça em sociedades pluralistas, ao mesmo tempo em que distanciar-se de suas versões de construtivismo moral. Para O'Neill, a noção de razão pública, segundo a qual devemos formular nossos princípios levando em consideração os valores e os lugares de fala alheios, não deve ser entendida como um ideal a ser aplicado às reivindicações efetivas de uma sociedade democrática, mas sim como um pressuposto mais geral, necessário à própria racionalidade universal humana.

Mais recentemente, O'Neill tem se dedicado ao tema da justiça global, mais especificamente, criticando teorias centradas excessivamente sobre direitos e propondo uma realocação das obrigações de justiça na esfera global, e aos problemas da confiança (ou da falta dela) na esfera pública - objeto de sua Ted Talk de 2013 (ver abaixo). Por fim, O'Neill aborda os fenômenos recentes da volta do populismo de direito (especialmente no caso inglês) e do papel das novas mídias sociais em movimentos anti-democráticos. Para a filósofa, uma dos problemas centrais da democracia contemporânea diz respeito a falsa sensação de publicização de ideias no uso de ferramentas privadas de comunicação como Facebook e Twitter. Estabelecer as bases de uma esfera pública pública na era da informação talvez seja o principal desafio democrático para as próximas décadas.





segunda-feira, 20 de março de 2017

Chamada: Pós-doutorado Universidade Carlos III (Madrid)

O Instituto de Ciência Sociais Carlos III - Juan March (IC3JM) está recebendo propostas de pós-doutorado nas áreas de sociologia, ciência política e história econômica. Os candidatos e candidatas selecionadas terão filiação dupla: com IC3JM e com o Departamento de Ciências Sociais da Universidade Carlos III. O prazo para o envio de propostas termina em 20 de abril.

4 post-doctoral positions at University Carlos III of Madrid

The Carlos III-Juan March Institute of Social Sciences (IC3JM) and the Department of Social Sciences at University Carlos III of Madrid seek to appoint up to four post-doctoral positions starting in September 2017. The post-docs will have a double affiliation at the IC3JM and the Department of Social Sciences.
The positions are in SociologyPolitical Science, and Economic History. The candidates should be able to teach either Sociological Theory [Sociology], International Relations, Security, Conflict and International Political Economy [Political Science] or World Economic History [Economic History].
Applicants must have received a PhD after September 1st, 2014 or completed it by September 1st, 2017. The appointment will be for two academic years. The positions have a teaching load of three courses per year. The annual salary is 32.540,38 euros (gross).
Applications should consist of a cover letter, curriculum vitae, at least one sample of academic work, and two letters of reference.
Applications should be sent by e-mail to Magdalena Nebreda (secretaria@march.uc3m.es) and Maria José Gutierrez (magutier@pa.uc3m.es) before April 20th 2017. Reference letters should be sent separately to the same e-mail addresses.
About the IC3JM: The IC3JM is the continuation of the Juan March Institute. It is located at the Getafe campus of Carlos III University, one of the most prestigious Spanish universities, particularly in the Social Sciences. The IC3JM promotes high quality research in the Social Sciences, with a strong emphasis on comparative and analytical approaches. It has a strong international profile and a very prestigious Scientific Council. It offers a number of graduate programs. The research conducted at the Institute, as well as its activities and publications, can be found on its web page.
About the Department of Social Sciences and University Carlos III: This is an interdisciplinary and young department. It was created in 2013 and it covers three areas, Sociology, Political Science and Economic History. It is an exciting mix of scholars, with a strong international profile and outstanding publications in top journals in the Social Sciences. The research conducted at the Department, as well as its activities and publications, can be found on its web page.
Carlos III University was created in 1989 and it is one of the leading universities in Spain. It appears in the QS Top 50 under 50 ranking (top 50 universities created in the last 50 years).

Chamada: SPG de Teoria Política ANPOCS (2017)

Os SPGs aprovados para o 41o. Encontro Anual da ANPOCS já estão disponíveis no site da associação. Seguindo a edição anterior, o evento de 2017 contará com um SPG dedicado à teoria política contemporânea (ver a chamada abaixo), coordenado pelos pesquisadores Renato Francisquini (UFBA) e Luís Falcão (UFF). São bem-vindos trabalhos sobre democracia, justiça, liberdade individual e gênero. Também foram aprovados SPGs dedicados à tolerância religiosa e direitos humanos, feminismo e política e  aos estudos sobre desigualdade racial. Resumos são aceitos até 10/04.





Coordenação: Renato Francisquini (UFBA) e Luís Alves Falcão (UFF)
O papel da teoria política, em suas diversas perspectivas, é o de dar corpo a indagações sobre as relações sociais e políticas, bem como sobre a fonte, o escopo e a validade de finalidades a que se prestam mulheres e homens ao longo de suas vidas. Os que se dedicam a essa área se esforçam por oferecer julgamentos bem fundamentados e argumentos aceitáveis sobre a configuração dos valores que perseguimos enquanto sujeitos. A organização das sociedades democráticas comporta e exige uma reflexão sobre o ordenamento dos princípios que, aos olhos dos cidadãos, subjazem enquanto justificativas aos limites auto-impostos em nosso ordenamento político. Encontram-se dentro do escopo desta proposta trabalhos nas seguintes áreas de pesquisa: temas de tradições da teoria política ainda em voga na contemporaneidade (como a relação entre igualdade e liberdade), estudos comparativos entre tradições diferentes do pensamento político, teorias contemporâneas da justiça, teoria democrática, as diversas expressões do feminismo e das discussões de gênero, a teoria crítica e a do reconhecimento, o debate sobre justiça global e as implicações normativas do nacionalismo e do cosmopolitismo.

sábado, 11 de março de 2017

Seminários de Ciência Política da USP (2017)

O Departamento de Ciência Política da USP publicou sua programação de seminários de pós-graduação para o primeiro semestre de 2017. Os seminários ocorrem às quintas-feiras e são abertos ao público em geral. Destaque para os seminários de Gabriel Cohn (USP), do filósofo Darlei Dall'Agnol (UFSC) e para o seminário temático com editores de periódicos acadêmicos de ciência política no Brasil.




quinta-feira, 9 de março de 2017

O debate Fausto-Pessoa: esquerda, direita e ideologia

Por Lucas Petroni

O economista conservador Samuel Pessôa (FGV/Instituto Millenium) tem se notabilizado pelo apoio público ao regime de Michel Temer. Pessôa defendeu o impedimento de Dilma Rousseff e, mais recentemente, tem sido o principal porta-voz da política de congelamento dos gastos públicos no Brasil. Na verdade, podemos afirmar que Pessôa é um dos poucos intelectuais respeitados na academia brasileira que não teme explicitar seus vínculos com o atual regime. A ponto de poder ser considerado uma espécie de "Delfim do Temer", em analogia ao então também economista e guru da política econômica do regime militar. 

Como parte de seus esforços de redefinição da divisão esquerda-direita no Brasil pós-golpe, Pessôa publicou, em dezembro de 2016, um interessante artigo na revista Piauí no qual apresenta uma crítica ao pensamento econômico a sua esquerda. Ou melhor, sobre a suposta falta de reflexão rigorosa sobre os pressupostos macroeconômicos brasileiro dos principais intelectuais de esquerda (ver aqui outro artigo no qual Pessôa também insiste nessa crítica). Como contraposição ao que Pessôa chama de "intervencionismo estatal exacerbado" do pensamento progressista e certa fixação com a justiça social por meio do salário mínimo, o economista propõe uma forma conservadora de desenvolvimento social, centrada na austeridade dos gastos públicos e em programas de combate à pobreza extrema (mas não necessariamente contra à desigualdade). O grande equívoco da esquerda brasileira, dessa perspectiva, seria resumido na teimosia recusa frente às conquistas sociais da desregulamentação econômica, seja nos mercados globais (e. g. diminuição da pobreza global), seja na econômica brasileira (e. g. controle da inflação).



Para Samuel Pessôa, um dos defensores mais importantes das reformas de Temer [acima], a política progressista deveria reconhecer as conquistas neoliberais


Particularmente interessante nesse último artigo foi a escolha dos trabalhos do filósofo Ruy Fausto (USP) como um exemplo dos vícios da esquerda. A escolha é inusitada, uma vez que Fausto não apenas é um crítico de longa data da política econômica do PT (ao que tudo indicia, o verdadeiro inimigo do economista), como também um dos raros filósofos brasileiros a levar à sério a economia. Talvez a escolha de Pessôa possa ser melhor explicada se levarmos em conta o fato de que, em sua longa carreira intelectual, Fausto também se notabilizou pela defesa pública de seus argumentos. Pessôa queria debater. E conseguiu.

Ruy Fausto respondeu às críticas e, como resultado, temos um excelente debate público entre duas posições políticas radicalmente antagônicas do panorama político brasileiro. Mais importante, trata-se de uma contraposição entre duas posições ideológicas sérias. Um fenômeno, é preciso ressaltar, pouco comum na mídia brasileira oligopolizada. Como resultado temos, de um lado, uma direita que recusa o racismo e o autoritarismo constitutivo do conservadorismo brasileiro e, de outro, uma esquerda abertamente crítica a certas tendências "bolchevistas" da própria esquerda.

Ao afirmar isso - é importante deixar claro - eu não estou querendo equiparar os dois males como se fossem equívocos similares, nem mesmo sugerir que o verdadeiro debate de idéias precisa pressupor um "meio-termo" ideológico qualquer. Ressalto apenas que, no caso do debate Pessôa-Fausto, não podemos encerrá-lo simplesmente deslegitimando as posições morais (ou imorais) do adversário. Um post de facebook e algumas tiradas retóricas não são o suficiente para decidir a questão. Será preciso, ao contrário, analisar a qualidade intrínseca dos argumentos oferecidos. E, posso adiantar, a réplica de Fausto é primorosa do ponto de vista argumentativo.

Contudo, antes de passarmos a réplica de Fausto, gostaria de acrescentar um ponto mais geral sobre debates políticos na esfera pública brasileira. É importante notar uma diferença entre o que chamei acima de "pensamento político" e "ideologia" de um lado, e teorias políticas ou econômicas propriamente ditas, de outro. De fato, Fausto e Pessôa possuem uma carreira acadêmica em suas respectivas áreas de investigação, respectivamente a filosofia política e a economia e, seguramente, suas pesquisas informam e fundamentam boa parte de seus argumentos políticos. No entanto, no debate travado nas páginas da revista Piauí, temos uma troca de argumentos com um propósito prático imediato, a saber, orientar a ação e organizar um projeto coletivo de sociedade. E essa finalidade não é a mesma da teoria política (ou econômica) acadêmica.

Teorias certamente possuem uma finalidade prática importante. O ponto é que, nesse último caso, o propósito prático não é o único critério de validade relevante operante. Tampouco o elemento prático de teorias chega a ser tão imediato quanto o das ideologias. Seria ridículo imaginar que a ontologia social marxista, ou a teoria do equilíbrio geral na economia, ou ainda o contratualismo rawlsiano possam oferecer respostas políticas determinadas e indubitáveis sobre a condução prática nosso dia à dia político. Não apenas porque teorias também são objeto de interpretações e disputas permanentes na academia (isto é, teorias não são "auto-interpretadas") mas também porque a ação política imediata exige contexto concreto.

Para nos orientarmos melhor nessas distinções, tomo aqui a definição de ideologia proposta por Michael Freeden: ideologia, ou pensamento político prático, pode ser entendida como uma espécie de "mapa" conceitual composto por valores, princípios e interpretações de fatos e eventos históricos que tem por finalidade auxiliar as nossas decisões políticas imediatas. Ideologias, assim, fazem uso de teorias políticas e econômicas, mas não podem ser confundidas com elas. (Existe ainda uma outra diferença importante entre pensar politicamente e estudar as ideologias políticas, ver o excelente verbete de Freeden sobre esse ponto). Isso não significa, por outro lado, que ideologias sejam menos importantes do que a tarefa teórica. Em uma sociedade democrática (bons) debates ideológicas são imprescindíveis.

Voltemos à réplica de Ruy Fausto, intitulada Ainda a Esquerda (o texto pode ser lido na íntegra no site da Piauí). O texto de Fausto é elegante tanto em sua argumentação como no tom. Isso não o impede, contudo, de ser uma intervenção analiticamente rigorosa. Concordemos ao não com os argumentos do autor, a réplica de Fausto vale a leitura como um ótimo exemplar de intervenção no debate público: uma intervenção contundente sem deixar de ser respeitosa. 

Fausto organiza a sua resposta a partir de duas confusões conceituais assumidas por Pessôa - confusões essas extremamente comuns nos argumentos conservadores brasileiros. Em primeiro lugar, existe uma confusão entre, de um lado o fenômeno da globalização e, de outro, as políticas neoliberais que, segundo os seus defensores, teriam por objetivo promovê-la. O principal problema da esquerda nacional, segundo Pessôa, seria a sua dificuldade em reconhecer as duas grandes realizações do que Pessôa chama de "a era neoliberal" (dos anos 80 até hoje). A saber, a redução da pobreza global e a diminuição da desigualdade entre os países. Fausto mostra como as duas afirmações "carro-chefe" de defensores de políticas agressivas de liberdade de capitais, liberalização do comércio e disciplina fiscal, repousam, na verdade, em uma confusão entre as políticas neoliberais, tal como desenhadas e implementadas por governos conservadores, e o fenômeno histórico da integração dos mercados globais - para ficarmos apenas com dimensão econômica do fenômeno.

Sem negar os benefícios da inclusão em massa de pessoas até então marginalizadas pelos mercados globais (como veremos abaixo, Fausto não é um crítico de mecanismos de mercado em si), o filósofo aponta, a meu ver com razão, para certa "violência teórica" ao imaginar que foram as políticas neoliberais as grandes responsáveis pela diminuição da pobreza em escala global. Como qualquer estudioso da pobreza global reconhece, o grande salto na diminuição da pobreza absoluta (deixando de lado a importância dos critérios de pobreza relativa) aconteceu na Ásia, especialmente na China, países que, justamente, recusaram em maior ou menor grau a cartilha do FMI. Isso não significa, evidentemente, que o modelo asiático-autoritário seja "melhor" do que o exigido pelo FMI. Mas serve para mostrar a necessidade de respaldar afirmações exageradas como essa por meio de um retrato empírico mais rigoroso da economia mundial (isso para não falar nos casos nos quais a cartilha do FMI destrui, mais do que fortaleceu, as políticas de combate a pobreza, tal como na Grécia e, tudo indica, o Brasil nos próximos anos).

Em relação à segunda afirmação - "o neoliberalismo diminuiu a desigualdade entre países" - Fausto mostra como, novamente, precisamos levar em consideração o que ocorreu em países que não têm seguido às políticas neoliberais, ainda que não recusem, por outro lado, a globalização. O podemos afirmar com certeza é que as políticas neoliberais aumentaram (e muito) a desigualdade no interior das economias nacionais. É interessante notar, algo que Fausto não o faz, que a compreensão dos equívocos econômicos e políticos da agenda neoliberal tem se cristalizado não apenas em seus críticos de longa data, mas também nos próprios organismos internacionais responsáveis por gesta-los, tal como o  FMI defendido por Pessôa.

Contra essa primeira confusão conceitual, diz Fausto, precisamos trabalhar com um conceito de globalização empiricamente mais sólido. Como afirma o autor, "só se pode obter um quadro objetivo da situação atual, e assim avaliar com lucidez e justiça o que está ocorrendo no mundo, quando se faz a distinção correta desses três termos [globalização, neoliberalismo e capitalismo burocrático], estudando as relações complexas entre eles". (Para uma retrato bem mais austero das consequências econômicas da globalização do que aquelas apresentadas por Pessôa, ver o artigo do ex-economista chefe do Banco Mundial  Branko Milanovic). Podemos nos perguntar se, na verdade, não é a direta brasileira quem desistiu de entrar no debate econômico mundial de alta qualidade.

Como afirma Fausto:

"[t]emos aí uma boa ilustração de como um discurso recoberto de dados numéricos pode ser, no fim das contas, um discurso pouco rigoroso. Se os conceitos que organizam os dados não servem, não são apropriados, o discurso não tem rigor, o que não significa que possamos desprezar os dados. Eles são condições necessárias, mas não suficientes – e, em certos casos, são mesmo muito insuficientes – para que se chegue a uma análise objetiva dos processos político-econômicos que se desenrolam no mundo atual.

Por trás da argumentação de Pessôa e de seus pares há sempre a ideia de uma dualidade: ou se aceitam as recomendações do FMI e do Consenso de Washington ou, então, adotamos o modelo da Coreia do Norte ou de alguma ditadura totalitária equivalente – quem sabe, no melhor dos casos, o da Venezuela de Chávez. Monta-se uma armadilha dualista: ou aceitamos as leis do sistema – e aí entra de tudo, da taxa “natural” de desemprego aos inúmeros ingredientes tóxicos de um receituário laissez-faire – ou então optamos por um regime comunista de liquidação da economia de mercado. Ora, existe um tertius, e este não tem nada a ver com a chamada “terceira via” de Tony Blair, que de terceira não tem nada. Economia de mercado não é a mesma coisa que capitalismo, e menos ainda se identifica com um capitalismo 'financeirista'".

Esse ponto nos leva à segunda confusão conceitual apontada por Fausto. Economistas conservadores tendem a caracterizar seus oponentes de um modo excessivamente fantasioso. É como se criticar o neoliberalismo equivalesse a rejeição irracional da própria ciência econômica, ou nos casos mais graves de fervor ideológico, fosse o mesmo que recusar os próprios mecanismos de mercado. Em sua dimensão alocativa, mercados são importantes como um meio eficiente de produção e circulação de bens e produtos (inclusive do trabalho). Isso não significa, por outro lado, que precisemos aceitar necessariamente sua dimensão distributiva. O livre-mercado não é a única forma de distribuir os benefícios e os ônus da cooperação social e, tendo em vista outros valores importantes a além da prosperidade econômica, tal como a justiça e liberdade individual, certamente não deveria ser. O que , ao contrário, a esquerda rejeita (ou pelo menos a esquerda à qual Fausto se filia) é que a eficiência de mercado tal como a conhecemos seja o sistema predominante (ou mesmo o único) de distribuição de benefícios sociais.

Uma das seções mais importantes da resposta de Fausto lida diretamente com a dificuldade conceitual da esquerda em criticar à economia de mercado. Quanto a esse assunto, os argumentos de Fausto são direcionados tanto aos conservadores, como Pessôa, como também para parte da esquerda brasileira que simplesmente não encontrou ainda um caminho coerente em sua relação de amor e ódio com a economia (uma esquerda que busca por vezes encontrar abrigo em receituários econômicos ultra-ortodoxos). Fausto identifica no princípio de neutralização do capital o principal objetivo de uma esquerda anti-neoliberal para as próximas décadas. E com isso entramos na dimensão propriamente ideológica do artigo, isto é, no sentido específico de orientação para ação política imediata.

É por meio de políticas e estratégias de neutralização do capital que devemos encontrar a principal contribuição econômica da esquerda para as democracias contemporâneas. Não precisamos ser utópicos ou utópicas para constatar que existe um problemas graves na acumulação descomunal de riqueza e poder de investimento em uma elite econômica que, atualmente, não encontra barreiras institucionais ao exercício de seu poder econômico e político. Por outro lado, a esquerda precisa reconhecer que os antigos mecanismos de neutralização da desigualdade social, fundados na redistribuição e centrado, sobretudo, na remuneração do trabalho não parecem estar à altura dessa nova tarefa.

Temos aqui pelo menos três grandes tendências que, se comprovadas, colocam em xeque as antigas estratégias socialistas e social-democratas (no sentido preciso do termo). Em primeiro lugar, a globalização alterou radicalmente os mercados de trabalho nacionais, introduzindo uma competição destrutiva (race to the bottom) por trabalho precarizado, tornando, por sua vez, a estratégia político-eleitoral de encarecimento da força de trabalho uma rota suicida para partidos de esquerda. Como bem mostra Fausto, é direita ultra-nacionalista de Trump e de Le Pen quem tem atualmente tomado o caminho de fechamento das fronteiras e do discurso antiglobalização. Em segundo lugar, temos evidências para especular que a automação da produção industrial e, mais recentemente, do setor de serviços, diminuirá consideravelmente a empregabilidade de trabalhadores e trabalhadoras não-especializados. Isso nos leva à terceira razão para o ceticismo em relação as estratégias focadas apenas no trabalho. Tal como demostra Thomas Piketty, as economias capitalistas estão se tornando cada vez mais "intensivas" em relação ao capital, aumentando estruturalmente a desigualdade funcional entre as remunerações agregadas do capital vis-à-vis as remunerações do trabalho (fato que vale menos para economias em desenvolvimento)

Tudo indica, portanto, que o desenvolvimento econômico das próximas décadas será fundado no trabalho (não-especializado) barato e na concentração dos rendimentos do capital. A resposta econômica da direita é simples: minimizar os danos frente ao inevitável. É preciso aumentar a competitividade do trabalho local e disciplinar governos gastadores (e aqui cabe nos perguntar como um economista da qualidade de Pessôa pode, de fato, acreditar que congelar os gastos com saúde e educação melhorará a produtividade do trabalhador e trabalhadora brasileira?). A proposta progressista de Fausto, ao contrário, é neutralizar os efeitos econômicos e políticos da concentração da propriedade ou do rendimento do capital, e não advogar a sua destruição. Se a concentração do capital em relação ao trabalho parece ser inevitável, a distribuição de sua propriedade e rendimentos não o é. Elas dependem de instituições políticas.

Enfatizar essa diferença não é nem incoerente nem utópico. Neutralizar os efeitos da concentração do capital na política ou na própria economia parecem ser, na verdade, as melhores apostas para qualquer agenda democrática. De um ponto de vista econômico, podemos imaginar uma sociedade na qual a distribuição de recursos não seja apenas ex post, tal como nos Estados de Bem-Estar Social reais, mas também ex ante. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio da dotação sistemática de recursos econômicos no início da vida econômica das pessoas, seja na forma de uma herança social,  tal como teorizada por economistas como James Meade, seja por meio de um rendimento permanente e incondicional (i. e.,  não atrelado ao mercado de trabalho) tal como defendido por marxistas analíticos como Van Parijs e Hillel Steiner. Propostas como essas se sobrepõe também a chamada política da predistribuição - tal como a ideia tem sido defendida recentemente por teóricos trabalhistas e social-democratas como Martin O'Neill, Stuart White e Alan Thomas.

De um ponto de vista político, neutralizar o capital significa controlar a sua influência desmedida nas decisões de investimento, criação de emprego, taxa de juros. Uma forma de fazer isso é fortalecer o papel do eleitorado na composição de governos e combatendo o uso de paraísos fiscais para a fuga de capital. Como bem demonstrado por Piketty, a ideia de um imposto global sobre o capital não repousa apenas nos eventuais ganhos fiscais trazido pelo imposto, mas é também uma forma de tornar a riqueza privada (e não apenas a renda pessoal) mais responsiva à democracia.

Ou seja, a caixa de ferramenta do pensamento igualitário contemporâneo é muito mais sofisticada no plano teórico e diversificada no plano da implementação do que o senso comum conservador costuma representar. O próprio Fausto não apresenta essas propostas específicas em seu texto. Mas acredito que elas ilustram bem o que ele tem em mente ao propor uma luta pela neutralização do capital.

Existem muitas objeções que poderiam ser levantadas acerca da exequibilidade política desses mecanismos. É difícil evitar o pessimismo: regressamos 50 anos em 1 em 2016. Podemos, além disso, recusar a política de neutralização do capital a partir de argumentos fundados em valores. De fato, essa é a principal argumentação no discurso conservador convencional, normalmente fundado em um suposto "aspecto moralizante" (e não apenas eficiente) dos mercados para o desenvolvimento pessoal (algo completamente alheio aos fundamentos neoclássicos originais). Alguns economistas chegam, de fato, a se autocompreender como heróis da austeridade em uma missão disciplinadora do Estado. Nesses casos, argumentos politico-econômicos não surtiram efeito. O caminho, talvez, seja a filosofia moral.

Mas é preciso reconhecer, como conclui Fausto, que não há nada de economicamente idiota em propostas como essas. Ao contrário. Como mostra Fausto, a direita parece muito mais perdida economicamente em seu deserto de ideias do que a esquerda.


Lucas Petroni é filósofo e cientista político. Atualmente é doutorando em teoria política no Departamento de Ciência Política da USP.

terça-feira, 7 de março de 2017

Pós-doutorado: UECE e UNIFESP (2017-2018)

Estão abertas as inscrições para duas bolsas de pós-doutorado em filosofia, respectivamente nos programas de pós-graduação da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). As bolsas são parte do Programa Nacional de Pós-Doutorado da CAPES e possuem duração de um ano - prorrogáveis por mais dois. A UECE oferece mestrado acadêmico nas linhas de Ética e Filosofia Política e a UNIFESP aceita candidaturas na linha de Política, Conhecimento e Sociedade. Os links e prazos de inscrição podem ser encontrados nas chamadas abaixo:


Seleção de Bolsista de Pós-Doutorado para o Curso de Mestrado em Filosofia da UECE

Seleção de Bolsista de Pós-Doutorado para o Curso de Mestrado em Filosofia da UECE  Programa PNPD/CPES

A Coordenação comunica aos interessados que estão abertas as inscrições para Seleção de Bolsista de Pós-Doutorado para o Curso de Mestrado em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará - UECE, pelo Programa PNPD/CAPES, no período de 20 de fevereiro a 24 de março de 2017 na Secretaria do CMAF.

As inscrições podem ser feitas por procuração, por meio digital (conforme prescrito no item 3.7 da Chamada Pública 008/2017), pelos correios(envio em Sedex com data de postagem até 24 de março de 2017) ou pessoalmente na Secretaria do Mestrado, no horário de 08:00 às 12:00 e das 13:00 às 17:00.
O endereço para as inscrições presenciais dos candidatos e para envio das inscrições é:
Curso de Mestrado em Filosofia da UECE
Av. Luciano Carneiro, 345, 1º andar
Bairro de Fátima
CEP.: 60.490-690 - Fortaleza-CE  
Outras informações: 3101 2033 ou cmaf@uece.br
Veja aqui a Chamada Pública 008/2017 que normatiza o processo de Seleção no link abaixo:

Processo Seletivo Bolsa de Pós-Doutorado PPGF Unifesp

A Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Filosofia - PPGF, da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – EFLCH da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, informa a abertura de processo seletivo público para uma (01) vaga de bolsista para Estágio Pós-Doutoral, vinculada ao Programa Nacional de Pós-Doutorado – PNPD/CAPES-MEC-2013.
 O processo seletivo realizar-se-á em consonância com o disposto na PORTARIA CAPES-MEC, Nº 086, DE 03 DE JULHO DE 2013 e o disposto no presente Edital.
Poderão inscrever-se os portadores de diploma de Programa de Pós-Graduação, nível doutoramento, em Filosofia ou áreas afins das Ciências, Ciências Humanas ou Ciências Sociais; 2. As inscrições serão recebidas até as 23h59 do dia 30 de março de 2017, exclusivamente por meio da página eletrônica do PPGF: http://ppg.unifesp.br/filosofia/processo-seletivo-pnpd- 2017/formulario-de-inscricao-pos-doutorado 3.
A relação das inscrições deferidas será divulgada na página eletrônica do PPGF-EFLCH/Unifesp, até o dia 31/03/2017.