Christian List e Laura Valentini, ambos pesquisadores da London School of Economics, publicaram na última edição da Ethics um artigo sobre as diferentes definições de liberdade política na teoria política contemporânea (o artigo pode ser consultado abaixo). De modo simplificado, liberais e republicanos disputam o significado da liberdade a partir da diferença entre interferência e dominação.
Para autores liberais, como Isaiah Berlin, o valor político da liberdade é melhor entendido quando definimos liberdade como a não-interferência nas ações dos indivíduos, qualquer que seja a fonte e as motivações por trás dessa interferência. Isso não significa, claro, que toda forma de interferência seja igualmente ruim (a lei é, ao mesmo tempo, uma forma de interferência sistemática sobre nossas ações e plenamente justificada), mas apenas que mesmo quando plenamente justificada, uma interferência nas decisões individuais continua sendo uma interferência. Para os liberais, pessoas livres são agentes que não encontram obstáculos efetivos para a realização de suas ações.
Já para autores republicanos, como Philip Pettit, o verdadeiro valor da liberdade residiria em seu papel na luta contra formas de dominação social - daí o famoso slogan neorrepublicano da liberdade como não-dominação. Para garantir que uma relação não seja opressiva, que, por exemplo, um grupo não domine as ações de outro, precisamos garantir que não haja interferência sobre suas ações (tal como no modelo liberal) mas, além disso, que não exista também a possibilidade dessa interferência. Relações de dependência são formas típicas de falta de liberdade nas quais não existe necessariamente uma interferência efetiva nas ações do dependente. Republicanos insistem que a liberdade exige a garantia de não sermos sujeitos ao controle arbitrário de alguém mais poderoso do que nós e que, portanto, pessoas livres são aquelas que tomam suas decisões em contextos não-opressivos.
Além de uma reconstrução detalhada desse debate, o artigo de List & Valentini tem um objetivo propositivo: os autores procuram oferecer uma solução para disputa entre as duas concepções de liberdade a partir da ideia de "liberdade como independência". Para os autores, a tradição republicana acerta em exigir não apenas a não-interferência efetiva como condição para a liberdade, mas também a garantia de que tais decisões sejam tomadas em contextos de independência em relação a outras pessoas. Não poderíamos afirmar, por exemplo, que alguém prestes a morrer de inanição tome uma decisão "livre" ao aceitar uma formas de trabalho aviltante. Independência nesse caso significa não ser dependente de quem controla os recursos materiais necessários para a sobrevivência material.
Contudo, segue o argumento, a tradição liberal estaria certa ao menos em relação a dificuldade em definir o que conta como formas de interferência "arbitrária" ou "não-arbitrária" sobre alguém - motivo pelo qual os liberais optam por um critério muito mais amplo do que conta como interferência, deixando de lado a causa dessa interferência. Isto é, a liberdade como independência, ao contrário da liberdade republicana, não depende de ideal político particular, como o autogoverno popular, de tal modo que ela possa funcionar também em outros contextos de liberdade. Além disso, List & Valentini procuram manter em sua formulação aquilo que poderíamos chamar de "desconfiança liberal" em relação às leis: mesmo leis totalmente legítimas, justificadas pela soberania popular, promovem uma forma de interferência em nossas ações.
Bem sucedido ou não, o objetivo da liberdade como independência de List & Valentini é manter uma definição "robusta" de liberdade sem termos que aceitar um critério, na opinião dos autores, excessivamente moralizante de opressão.
Bem sucedido ou não, o objetivo da liberdade como independência de List & Valentini é manter uma definição "robusta" de liberdade sem termos que aceitar um critério, na opinião dos autores, excessivamente moralizante de opressão.
- List & Valentini: Freedom as Independence (Ethics)
Abstract: Much recent philosophical work on social freedom focuses on whether freedom should be understood as noninterference, in the liberal tradition associated with Isaiah Berlin, or as nondomination, in the republican tradition revived by Philip Pettit and Quentin Skinner. We defend a conception of freedom that lies between these two alternatives: freedom as independence. Like republican freedom, it demands the robust absence of relevant constraints on action. Unlike republican, and like liberal freedom, it is not moralized. We showcase the virtues of this conception and offer a novel map of the logical space in which different conceptions of freedom are located.