quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Um golpe é um golpe é um golpe

Seguindo a tendência geral do processo de impedimento da presidenta eleita Dilma Rousseff, permanece enorme a discrepância jornalística entre, de um lado, a cobertura crítica da mídia internacional e a revolta da mídia independente no Brasil e, de outro, a docilidade dos grandes grupos de comunicação do país, como o Grupo Globo e o Grupo Folha (ver aqui sobre a família Marinho e aqui sobre a Folha). 

A situação trágica do mercado de informação no Brasil, na prática um oligopólio familiar, não apenas faz com que o Brasil tenha um dos piores índices de liberdade de imprensa entre as democracias (como indica o último relatório dos Repórteres Sem Fronteiras) como nos obriga à utilizar mais e mais canais independentes de transmissão, tais como a Mídia Ninja e Jornalistas Livres, para obtermos uma cobertura minimamente não editada dos últimos acontecimentos políticos no país. 

Um contra-exemplo gritante dessa submissão pode ser encontrada na patética entrevista que o ex-presidente, e apoiador do golpe, Fernando Henrique Cardoso foi submetido pelo canal de TV da Al Jazeera. Imaginando que sua estatura de ex-presidente seria o bastante para conferir legitimidade a sua interpretação do impedimento de Dilma, algo que, de fato, talvez fosse o bastante para tratar com os profissionais brasileiros, FHC foi humilhado ao vivo por um jornalista extremamente bem informado sobre a política brasileira (inclusive sobre as hipocrisias do próprio FHC). Sobretudo, e esse é o ponto, mais do que informado o jornalista estava motivado a contestar seu entrevistado quando necessário. 

Basta assistir uma mesa redonda da Globo News ou uma entrevista do Estado de São Paulo para perceber que essa motivação não é a regra na nossa empresa. A contestação no jornalismo brasileiro é entendida como uma forma de deselegância.

Como explicar a submissão da imprensa à agenda conservadora brasileira? Uma delas é que as empresas, em geral de controle familiar e mantendo concessões públicas herdadas de geração para geração desde o regime autoritário de 64, temem perder dinheiro com governos que proponham novos marcos legais na comunicação (algo que, diga-se de passagem nenhum governo, inclusive o governo deposto, teve a coragem de propor), a criação de TVs e rádios públicas (veja o editorial da Folha sobre a nova proposta de TV pública) ou simplesmente cortes de despesa com comunicação oficial (estima-se que o governo Dilma tenha cortado quase 600 milhões de reais em propaganda federal um ano antes do golpe). 

Outra hipótese é a de que as famílias de milionários da comunicação brasileira, sendo o caso paradigmático aqui a família Marinho, são elas próprias agentes políticos auto-interessados nos rumos do governo federal. Isto é, seu principal interesse não é propriamente "vender jornal" (ou, mais precisamente, espaço publicitário) ou apenas manter o poder de mercado que possuem, típico em contextos de oligopólio, mas sobretudo manter o papel político e cultural de serem os únicos grupos com a estrutura física e organizacional capazes de alcançar o território brasileiro como um todo. Isto é, qualquer forma de conciliação ou pacto social necessariamente precisa passar, antes, pelas redações de São Paulo e Rio. 

Imaginemos que só existam três empresas de papel em uma sociedade. O lucro da venda de papel é, sem dúvida, um privilégio enorme e impedir concorrentes é crucial para os lucros. Entretanto, e se, além disso, todo documento oficial fosse impresso nesse papel e coubesse as três empresas divulgar seu conteúdo? E se qualquer governante dessa sociedade necessitasse da boa vontade dos três vendedores para circular qualquer lei ou decreto? Talvez mais importante do que o lucro, seja a possibilidade de controlar o sistema de responsabilização política no país. O tipo de produto que as grandes empresas de comunicação nos vendem é mais do que apenas um insumo para a formação de preferências políticas, em contextos críticos ele pode ser a própria preferência.

Visto que após duas décadas de luta a direita finalmente conseguiu criar as condições ideais para um semi-parlamentarismo no governo federal, o papel organizacional dessas empresas só tende a crescer.

Contudo, nenhuma explicação sobre os proprietários dos meios de comunicação, por mais elaborada e original que venha a ser, conseguirá justificar ou absolver a submissão dos e das profissionais da mídia brasileira - outra vez - em relação àqueles que tiraram uma presidenta eleita do poder. É por essas razões que a imagem da tropa de choque protegendo a sede da Folha de S. Paulo contra os manifestantes pró-democracia no centro de São Paulo durante a madrugada é, por enquanto, a melhor imagem do golpe de 2016: 



Polícia Militar de São Paulo protege prédio do Grupo Folha contra manifestantes pró-democracia


A cobertura do golpe na imprensa internacional:


- El País: "Golpe baixo no Brasil"

- El País: "O Golpe contra Dilma Rousseff"

- The Intercept: "Os novos donos do trono no reino da hipocrisia"

- Deutsch Welle: "Uma injustiça histórica"

- Al Jazeera: "Is Brazil's Dilma Rousseff a victim of a coup?"

- Le Monde: "La triste ironie de la chute de Dilma Rousseff"

- The Nation: "Brazil For Sale: How a legal coup set the stage for privatization"

- The Nation: "An International Tribunal Declares the Impeachment of Brazil's Dilma Rousseff an illegitimate coup"

- The New York Times: All impeachments are political. But was Brazil's something more sinister?

- Pagina 12: "Hoy se consuma el golpe parlamentario en Brasil"

- Democracy Now: "This confirms: It was a coup"

- Democracy Now: "Bernie Sanders Condemns Coup in Brazil"

- Salon: "Parliamentary Coup"

- BBC: "What has gone wrong in Brazil?"

- Vice: "O saldo sangrento do último ato na paulista"

- The Guardian: "Dilma Rousseff´s downfall won´t cure all her country´s ills"

- Huffington Post: "Brazil has a president now no one voted for"

- Huffington Post: "Every vote for Rousseff's impeachment was a vote for vote for corruption"

- Time: "Rousseff's impeachment is the start of Brazil's crisis"