segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
Onora O'Neill sobre Kant
A filósofa inglesa Onora O'Neill (Cambridge) publicou uma reunião de artigos e conferências sobre a filosofia moral e política de Kant e suas implicações para o debate filosófico contemporâneo. O'Neill é uma das principais responsáveis pela retomada da teoria moral kantiana nos países de língua inglesa. Aluna (e crítica) de John Rawls, seu livro Acting on Principle de 1975 (ainda sem tradução para o português) é considerado por muitos um marco nos estudos kantianos na medida em que reformulou o argumento do Imperativo Categórico à luz da teoria da ação contemporânea. O livro também é tido por um dos melhores livros de comentário filosófico da segunda metade do século XX. O'Neill mostrou que é possível aliar interpretação histórica com relevância analítica. Desde então, O'Neill tem escrito sobre cosmopolitismo, direitos humanos, razão pública e a noção de "confiança" no debate público. Alguns dos artigos presentes na edição podem ser encontrados nos links abaixo.
- O'neill: Constructing Authorities: Reason, Politics and Interpretation in Kant's Philosophy
This collection of essays brings together the central lines of thought in Onora O'Neill's work on Kant's philosophy, developed over many years. Challenging the claim that Kant's attempt to provide a critique of reason fails because it collapses into a dogmatic argument from authority, O'Neill shows why Kant held that we must construct, rather than assume, the authority of reason, and how this can be done by ensuring that anything we offer as reasons can be followed by others, including others with whom we disagree. She argues that this constructivist view of reasoning is the clue to Kant's claims about knowledge, ethics and politics, as well as to his distinctive accounts of autonomy, the social contract, cosmopolitan justice and scriptural interpretation. Her essays are a distinctive and illuminating commentary on Kant's fundamental philosophical strategy and its implications, and will be a vital resource for scholars of Kant, ethics and philosophy of law.
Part I. Authority in Reasoning:
1. Vindicating reason
2. Kant: rationality as practical reason
3. Kant's conception of public reason
4. Constructivism in Rawls and Kant
5. Changing constructions
1. Vindicating reason
2. Kant: rationality as practical reason
3. Kant's conception of public reason
4. Constructivism in Rawls and Kant
5. Changing constructions
Part II. Authority, Autonomy and Public Reason:
6. Autonomy: the emperor's new clothes
7. Self-legislation, autonomy and the form of law
8. Autonomy and public reason in Kant, Habermas and Rawls
Part III. Authority in Politics:
9. Orientation in thinking: geographical problems, political solutions
10. Kant and the social contract tradition
11. Historical trends and human futures
12. Cosmopolitanism then and now
Part IV. Authority in Interpretation:
13. Kant on reason and religion I: reasoned hope
14. Kant on reason and religion II: reason and interpretation
7o. Encontro de Ética e Filosofia Política do Minho
O Grupo de Teoria Política do Minho abriu as inscrições para o seu encontro anual de ética e filosofia política. O evento ocorrerá nos dias 15 e 16 de junho e, como de costume, contará com a presença de pesquisadoras e pesquisadores convidados - nesta edição, Kimberley Bronwlee (Warwick) e Daniel Weinstock (McGill). O prazo final para a submissão de trabalhos é 10/abril. A chamada pode ser encontrada abaixo:
Political Theory Group, University of Minho (Braga), June 15-16, 2016
Organisers: Daniele Santoro, João Ribeiro Mendes
We welcome paper proposals for the Seventh Meeting on Ethics and Political Philosophy, which will be held at University of Minho, Braga (Portugal), on June 15-16, 2016. The Braga meetings have established a reputation in the past six years for providing an excellent opportunity to present both advanced and exploratory work in front of an open and welcoming audience. Graduate students, junior researchers and senior scholars are welcome to submit their work.
Keynote speakers
Kimberley Bronwlee (University of Warwick) on "The Ethics and Politics of Sociability”;
Daniel Weinstock (McGill University) on “Hobbesian Toleration”
Abstracts submission
We invite proposals for papers in any area of moral, political, or legal philosophy and in normative political theory.
This year we will host a special session on The Ethics of Dissent: Civil Disobedience, Conscientious Objection, and Whistleblowing, and plan to publish a selection of the papers from this session in a special issue of a peer-review academic journal.
Submissions should contain a 400-500 word abstract (pdf or word format) prepared for blind review along with 5 keywords.
Include your name, contact information, affiliation, and a short bio in the text of the email.
Please, specify whether you intend to submit your proposal for the special session.
Send you proposals to the conference email: bmepp2016@gmail.com
Further queries can be directed to the same address.
Deadline for submissions: April 10 2016.
Notification of acceptance: April 30, 2015.
Information about registration, accommodation and travelling is available on our site: http://meetingsethicspoliticalphil.weebly.com/
This event is organized by the Political Theory Group at CEHUM, University of Minho (Braga).
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
Os Panteras Negras e o direito de resistência
Por Lucas Petroni
Existe uma narrativa conhecida a respeito da trajetória dos movimentos negros dos Estados Unidos no século passado. Ela pode ser encontrada em livros de história e editoriais de jornais. Sua forma mais conhecida entre nós, no entanto, foi canonizada por Hollywood. Os principais pontos dessa história são recorrentes: primeiro, os negros do sul dos EUA lutaram, legitimamente, para obter a integração política e civil contra as leis segregacionistas estaduais, especialmente nos estados mais conservadores do sul dos EUA. Contudo, gradativamente o ativismo negro teria passado a adotar uma retórica mais belicosa, associando-se aos movimentos estudantis anti-Vietnam e a luta feminista pela emancipação sexual.
Diferentemente da luta pelos direitos civis, a radicalizou teria acontecido em grandes centros urbanos, como São Francisco, Los Angeles e Nova York, longe portanto do sul agrário e atrasado. Mais importante, esses grupos passaram a adotar via da luta violenta, pregada por líderes como Malcolm X (assassinado em 1965), em detrimento dos ideais de não-violência de Martin Luther King (assassinado em 1968). O objetivo teria se tornado mais amplo e ousado: a transformação da sociedade norte-americana. A adesão à aventuras revolucionárias armadas - concluiu a narrativa - gerou como resultado a desintegração do movimento e, eventualmente, a reação legítima do governo e da sociedade em geral. O principal exemplo histórico dessa trajetória equivocada seriam os Panteras Negras. Segundo a narrativa convencional os Panteras Negras terminaram se tornado, finalmente, terroristas (para usarmos uma palavra com pouco significado determinado nos dias dias de hoje).
Existe uma narrativa conhecida a respeito da trajetória dos movimentos negros dos Estados Unidos no século passado. Ela pode ser encontrada em livros de história e editoriais de jornais. Sua forma mais conhecida entre nós, no entanto, foi canonizada por Hollywood. Os principais pontos dessa história são recorrentes: primeiro, os negros do sul dos EUA lutaram, legitimamente, para obter a integração política e civil contra as leis segregacionistas estaduais, especialmente nos estados mais conservadores do sul dos EUA. Contudo, gradativamente o ativismo negro teria passado a adotar uma retórica mais belicosa, associando-se aos movimentos estudantis anti-Vietnam e a luta feminista pela emancipação sexual.
Diferentemente da luta pelos direitos civis, a radicalizou teria acontecido em grandes centros urbanos, como São Francisco, Los Angeles e Nova York, longe portanto do sul agrário e atrasado. Mais importante, esses grupos passaram a adotar via da luta violenta, pregada por líderes como Malcolm X (assassinado em 1965), em detrimento dos ideais de não-violência de Martin Luther King (assassinado em 1968). O objetivo teria se tornado mais amplo e ousado: a transformação da sociedade norte-americana. A adesão à aventuras revolucionárias armadas - concluiu a narrativa - gerou como resultado a desintegração do movimento e, eventualmente, a reação legítima do governo e da sociedade em geral. O principal exemplo histórico dessa trajetória equivocada seriam os Panteras Negras. Segundo a narrativa convencional os Panteras Negras terminaram se tornado, finalmente, terroristas (para usarmos uma palavra com pouco significado determinado nos dias dias de hoje).
Bobby Seale and Huey Newton (1967), fundadores do Black Panther Party for Self-Defense
De acordo com o documentário The Black Panthers: Vanguard of the Revolution, dirigido pelo documentarista e ativista Stanley Nelson, uma interpretação histórica mais acurada dos fatos nos conta outra história da vanguarda do movimento negro nos anos 60 (uma entrevista de Nelson pode ser encontrada aqui). Grande parte da chamada radicalização dos Panteras Negras, segundo os depoimentos no documentário, teria sido instigada por uma força-tarefa do FBI, liderada pelo então diretor da instituição, Edgar Hoover, que teria por objetivo justamente sabotar os esforços do grupo desacreditando-o perante à opinião pública no país.
Mais do que isso, Nelson defende o argumento de que existem evidências históricas suficientes para sustentar que essa mesma força-tarefa estaria por trás da morte, sob circunstâncias extremamente controversas, de uma jovem liderança do grupo. A reconstrução da história de Nelson poderia ser apenas mais uma teoria da conspiração, se não fosse o amplo uso de documentos oficiais do período, até então sigilos, publicizadas pelo próprio governo dos EUA.
Dada a relevância atual da pauta dos Panteras Negras, em sua luta contra a repressão political e perseguição judicial de minorias, o documentário mostra-se importante não apenas para a revisitar a história dos EUA como também para os diferentes movimentos de resistência atualmente em ação tanto nos EUA como em outras partes do mundo.
O Partido dos Panteras Negras para Auto-Defesa foi criado por Huey Newton e Bobby Seale em 1966, com o propósito de monitorar a conduta policial na cidade de Oakland (Califórnia), tendo como principal tática o uso ostensivo de armas de fogo (carregadas) durante ações da polícia local. O uso das armas era embasado pela lei da Califórnia e pela constituição norte-americana, mas até então nunca havia sido utilizado em favor das minorias. Tanto que o então governador da Califórina, e futuro presidente, Ronald Reagan procurou alterar a legislação sobre posse de armas no estado como medida contrária aos Panteras Negras.
Contudo, o sucesso do movimento fez com o "partido" crescesse de modo vertiginoso, chegando a contar com cerca de dois mil militantes em diferentes cidades ao longo do país em apenas 2 ou 3 anos de existência. O crescimento trouxe também mudanças ideológicas importantes para o grupo: de um movimento voltado para a garantia do devido processo legal na atuação da policia os Panteras Negras passaram a defender uma pauta mais ampla, de inspiração claramente socialista e pós-colonialista. O Programa dos 10 Pontos do grupo contava com demandas como o acesso à moradia, o ensino da história africana nas salas de aula, e o fim da brutalidade policial. Interessante notar, por exemplo, que logo no segundo ponto o programa demandava o "pleno emprego das forças produtivas":
"[a]creditamos que o governo federal é responsável, e obrigado a conceder, emprego e renda garantida a todos os homens. Acreditamos que o homem de negócios branco americano não irá conceder o pleno emprego, logo os meios de produção devem ser tomados dos homens de negócio e colocados sob o controle da comunidade de tal forma que as pessoas possam organizar e empregar todos os seus membros fornecendo-os um padrão de vida adequado" (Ponto 2).
No final dos anos 60 a meta do partido já se encontrava dividia entre o ativismo contra a perseguição policial e judicial de seus membros e a manutenção de programas anti-pobreza, como a famosa criação de centros comunitários para crianças em idade escolar sem café da manha (a parte da "auto-defesa" do título foi abolido em 67). Foi em meio ao ápice de adesão aos Panteras Negras que Edgar Hoover declarou o partido "a maior ameaça à segurança interna do país" e criou a força tarefa com o objetivo de desacreditar as ações do grupo, plantando agentes infiltrados responsáveis por atos de "contra-informação" e instigando as forças policias locais contra os panteras (alguns depoimentos de ex-policiais no documentário são bem enfáticos quanto a esse ponto). Particularmente, a agência de anti-terrorismo do FBI procurou impedir que o surgimento de uma liderança negra, que denominavam de "messias negro", pudesse expandir as demandas do grupo entre outros movimentos sociais, como o movimento estudantil (majoritariamente branco) e de veteranos dos EUA. Segundo o documentário de Nelson, o jovem líder Fred Hampton, morto enquanto dormia durante uma batida policial em seu apartamento, teria sido um desses "messias" a ser eliminado.
É verdade que a atuação do FBI e do stablishment político norte-americano não podem ser creditados como as únicas causas da destruição do partido. Uma das principais críticas que o documentário vem recebendo é a sua opção por não abordar um dos episódios mais trágicos dos Panteras, quando um jovem de 19 anos foi executado na cidade de New Haven (a apenas algumas quadras de onde o autor deste post escreve no momento) acusado de ser um delator do FBI. Já final dos anos 70, algumas das fações mais radicais do movimento, lideradas por Huey, passaram a defender a associação entre movimentos negros e o submundo do crime, tendo consequências trágicas não só para as demandas mais socialistas do movimento como inclusive para o próprio Huey, assassinado na década de 80.
O que o documentário nos mostrar, no entanto, é que precisamos nos precaver contra a imagem sedimentada de que os Panteras Negras eram um grupo violento, desorganizado, com demandas particularistas e que, por conta da conjunção desses atributos, a erradicação do movimento foi legítima e necessária. O acesso aos documentos da época, entretanto, nos mostram justamente que a solução deixou a desejar tanto em termos de legitimidade como de necessidade. Podemos discordar de algumas posições dos Panteras, mas é difícil rejeitar a sua causa como particularista ou ilegítima.
Na verdade, a história de grupos como os Panteras Negras e, contemporaneamente, Black Lives Matter e Stop Mass Incarceration, nos EUA, colocam uma questão importante para o exercício da coerção em sociedades democráticas. Existe um direito de resistência quando temos fortes evidências de que um grupo, ou setor social específico, enfrenta formas institucionalizadas de descriminação e, como no caso em questão, é alvo de perseguição sistemática por aqueles encarregados pela administração e aplicação da justiça?
terça-feira, 9 de fevereiro de 2016
Bolsa: Leibniz-DAAD Fellowship
O Leibniz-DAAD Fellowship Program está recebendo candidaturas de pós-doutorado recém-doutores (até dois anos de término do doutorado) para o ano letivo 2016-2017. As bolsas são de 1 ano e podem ser sediadas em qualquer instituição de ensino superior alemã conveniada ao programa - veja a lista das Leibniz Institutions. O prazo final para o envio das candidaturas é 9 de março de 2016. O edital completo pode ser encontrado abaixo:
Leibniz - DAAD Research Fellowship 2016
The
Leibniz – DAAD Research Fellowship programme is jointly carried out by the Leibniz
Association (Wissenschaftsgemeinschaft Gottfried Wilhelm Leibniz e.V.) and the
German Academic Exchange Service (DAAD). Leibniz-DAAD fellowships offer highly-qualified,
international postdoctoral researchers, who have recently completed their doctoral
studies, the opportunity to conduct research at a Leibniz Institute of their
choice in Germany.
The
Leibniz Association
The Leibniz Association is an umbrella
organisation currently consisting of 88 independent research institutions
located throughout Germany. It has an annual budget of over €1.6 billion. More
than 18,100 people are employed at Leibniz Institutes, 9,100 of whom are scientists
working in the humanities and educational sciences, the social sciences, economics,
business administration, regional and life sciences, as well as in mathematics,
the natural sciences, engineering and environmental research. All Leibniz
Institutes have an interdisciplinary approach. They conduct problem-oriented
research and provide scientific infrastructures of national and international
significance. Leibniz Institutes foster close cooperation with universities,
other research institutes, and industry in Germany and abroad.
Leibniz researchers uphold the highest standards
of excellence. Their aim is to offer research-based solutions to current
challenges facing society. The Leibniz Association has developed a
comprehensive system of quality management: Independent experts assess each
institute at regular intervals. Leibniz Institutes contribute to clusters of
excellence in fields such as mathematics, optical technologies, materials
research, bio-medical research, environmental research, bio- and
nanotechnology, as well as biodiversity, economic policy, and educational
research.
The Leibniz Association is structured into five
scientific sections. Further information is available online at http://www.leibniz-association.eu
DAAD
The DAAD is the largest funding organisation in
the world supporting the international exchange of students and scholars. Since
it was founded in 1925, more than 1.5 million scholars in Germany and abroad
have received DAAD funding. It is a registered association and its members are
German institutions of higher education and student bodies. In addition to awarding
grants and scholarships, it supports the internationalisation of German universities,
promotes German studies and the German language abroad, assists developing countries
in establishing effective universities and advises decision-makers on matters
of cultural, education and development policy. Its budget (approx. €440 million
in 2014) is derived mainly from the federal funding for various ministries,
primarily the German Federal Foreign Office, but also from the European Union
and a number of other enterprises, organisations and foreign governments. The
DAAD runs over 250 programmes, through which it funds more than 74,000 German
and foreign scholars worldwide each year. Further information is available
online at http://www.daad.de
Research
Offerings
Leibniz-DAAD research fellows can undertake
their research at the Leibniz Institutes listed in the following links:
Section A: Humanities and Educational
Research/Geisteswissenschaften und Bildungsforschung
Section B: Economics, Social Sciences and
Spatial Research/Wirtschafts- und Sozialwissenschaften, Raumwissenschaften
Section D: Mathematics, Natural Sciences and
Engineering/Mathematik, Natur- und Ingenieurwissenschaften
Section E: Environmental
Sciences/Umweltwissenschaften
Please
note:
1. Only Leibniz Institutes listed under the
above links can accept fellows this year.
2. Projects that do not correspond with the
activities of the chosen institute can not be considered.
3. During the application, you will be asked to
provide the name of a host scientist or department at the chosen Leibniz Institute.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
Pedro Ferreira de Souza: Os ricos e a desigualdade no Brasil
O sociólogo Pedro Ferreira de Souza (UNB/IPEA) publicou um artigo na Folha de S. Paulo apresentando para o público geral os resultados de sua pesquisa acerca dos padrões históricos de desigualdade de renda no Brasil (o artigo acadêmico de Souza & Medeiros pode ser encontrado aqui). De acordo com Souza, de 1920 para cá, é possível demostrar que os índices de concentração de renda no Brasil atravessaram o século XX de modo constante e como um dos mais altos do mundo. A taxa de apropriação da riqueza nacional pelo 1% mais rico oscilou entre 20% e 25%, agravando-se nos dois períodos ditatoriais (para efeitos de referência, países altamente desiguais como os EUA hoje possuem aproximam-se de uma taxa de 20% enquanto a Europa de meados do século XX possui algo em torno de 15%). Além disso, Souza insiste que, surpreendentemente, a desigualdade não diminuiu nos últimos dez anos. Ou seja, a despeito da grande inclusão social ocorrida nas últimas décadas o topo da pirâmide social permaneceria inalterado.
A conclusão do artigo de Souza também é interessante: caso aceitemos que a desigualdade social brasileira é um problema grave e urgente, e caso queiramos fazer algo a respeito disso, então a dinâmica histórica da desigualdade no Brasil nos mostra que podemos crescer economicamente sem alterá-la de modo significativo: "esperar que o crescimento pura e simples resolva nossa questão distributiva não funcionou no passado e dificilmente funcionará no futuro".
A íntegra do artigo pode ser lida abaixo:
Os ricos e a desigualdade no Brasil
A íntegra do artigo pode ser lida abaixo:
Os ricos e a desigualdade no Brasil
Pedro Ferreira de Souza
O alto grau de concentração de renda entre os mais ricos é a característica marcante da desigualdade brasileira. Com base em dados históricos do imposto de renda, busquei recentemente recuperar a história dessa desigualdade desde os anos 1920, quando éramos ainda um país rural, com população menor do que a do Estado de São Paulo hoje.
De lá para cá, muita coisa mudou no Brasil, mas não a desigualdade. A concentração de renda no 1% mais rico da população adulta manteve-se em patamar alto, sem nenhuma tendência clara de longo prazo.
Ou seja, o bolo cresceu, mas não foi dividido. Com alguns pressupostos, pode-se estimar que a fração da renda recebida pelo 1% mais rico oscilou entre 20% e 25% durante boa parte do tempo. Em comparação, o 1% mais rico nos EUA recebe em torno de 20% –percentual que vem aumentando muito desde os anos 1970– e, na Europa continental, entre 10% e 15%.
Ao contrário do que se possa pensar, esse 1% mais rico não é composto no Brasil apenas por banqueiros e donos de empreiteiras. Esse centésimo mais rico da população adulta corresponde a um universo em torno de 1,5 milhão de pessoas com renda bruta mensal a partir de algo em torno de R$ 20 mil.
A ausência de tendências de longo prazo não significa, porém, que a concentração permaneceu estática ao longo do tempo. Pelo contrário, sua história é cheia de som e fúria, com idas e vindas abruptas, associadas a momentos políticos notórios.
Houve aumentos expressivos da desigualdade nos primeiros anos das duas ditaduras que tivemos no século 20: o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar (1964-1985). A crise política e econômica dos anos 1980 testemunhou outro aumento significativo. Em contrapartida, a queda mais prolongada da desigualdade ocorreu nos anos 1950, em especial durante o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961).
Surpreendentemente, tivemos poucas mudanças nos últimos 20 anos. Por falta de dados, pode-se dizer no máximo que houve queda da concentração de renda no topo entre o fim dos anos 1980 e a segunda metade da década de 1990.
Desde então, em contraste com o que indicam as pesquisas domiciliares, a fração dos mais ricos permaneceu relativamente constante, sugerindo que as mudanças recentes afetaram muito mais a parte de baixo da distribuição de renda.
Esses resultados reforçam a ideia de que a persistente desigualdade brasileira é fruto do efeito cumulativo de uma série de políticas públicas, que, em geral, evoluem apenas lentamente em períodos democráticos. Não é à toa que a concentração no topo só mudou rapidamente, para pior, depois de golpes que instituíram ditaduras.
Não há, portanto, bala de prata capaz de dar cabo da questão distributiva no Brasil. Tampouco há modelos internacionais que possamos copiar com facilidade. Nos EUA e em boa parte da Europa, por exemplo, a alta desigualdade do fim do século 19 só deu lugar a sociedades ditas de classe média depois dos choques causados pelas guerras e catástrofes da primeira metade do século 20.
Nosso avanço vai depender de reformas em muitas frentes –da composição da carga tributária à qualidade dos serviços públicos–, que trazem consigo grandes disputas políticas. Se quisermos nos aproximar dos níveis de desigualdades observados hoje nos países ricos, não há outra saída. Esperar que o crescimento puro e simples resolva nossa questão distributiva não funcionou no passado e dificilmente funcionará no futuro.
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