sábado, 9 de abril de 2016

Laymert dos Santos: "O intolerável"

Durante o ato de lançamento da Carta à Comunidade Acadêmica Internacional contra o impedimento presidencial de Dilma Rouseff (veja a íntegra da carta no post abaixo ), o sociólogo Laymert Garcia dos Santos (UNICAMP) apresentou o texto "O Intolerável" no qual oferece sua interpretação sobre as sucessivas tentativas de desestabilização do governo Dilma desde sua reeleição no final de 2014. 

Diferentemente das análises convencionais, nas quais a reconfiguração dos termos do conflito político brasileiro aparece como a principal chave explicativa da crise, Laymerte dos Santos procura ressaltar o que identifica como elementos "neocoloniais" do movimento anti-PT. Esses elementos estariam presentes tanto no vocabulário dos movimentos de direita, como no interesse do capital internacional diante da desarticulação da industria de petróleo e a implementação de políticas de austeridade econômica como única solução para o déficit público brasileiro.

O treinamento de procuradores e juízes brasileiros em congressos internacionais de "anti-terrorismo" organizados pelos EUA seria uma evidência importante na corroboração da sua tese: a tentativa de criminalização judicial de governos de esquerda na América Latina como estratégia alternativa frente às sucessivas derrotas eleitorais de programas conservadores no continente. 

Correta ou não, a tese de Laymert é extremamente valiosa por dois motivos. Primeiro, na medida em que redimensiona a crise brasileira no cenário geopolítico latino americano que conta com casos parecidos de tentativas de golpe constitucional. Segundo, porque nos ajuda a explicar, em parte, a seletividade da indignação pública brasileira. A noção de corrupção atualmente em voga em nossa esfera pública é duplamente seletiva: é seletiva entre líderes da oposição e governo mas, de modo menos previsível, é seletiva também entre casos de corrupção pública e privada, como, por exemplo, o silêncio constrangedor de movimentos anti-corrupção sobre o caso da sonegação de 1,5 bilhão de reais - seguida de pagamento de propina - envolvendo o banqueiro José Safra

Tal como na campanha anti-terrorismo norte-americana, por aqui algumas ameaças também são mais aterrorizantes do que outras. A apresentação de Laymert pode ser conferida abaixo, sua transcrição, aqui.

Agradeço a Rafael Abreu pelo envio da apresentação.




[...]

Moro e os procuradores de Curitiba são os soldados da desestabilização. Janot e os procuradores de Brasília são o Alto Comando. Eles formam a espinha dorsal de um dispositivo de destruição da política como forma de entendimento do coletivo. Treinados em seminários e colóquios pelos especialistas em “cooperação”, aprenderam as novas tecnologias jurídicas, políticas e policiais do “contra-terrorismo”, importaram e implementaram a estratégia do caos. E não podemos sequer alegar que não fomos alertados: Snowden, em 2013, havia revelado os grampos da NSA contra Dilma e contra a Petrobrás; mas não sabemos se o que a espionagem apurou na petrolífera forneceu material para a Lava Jato. Por outro lado Wikileaks nos informa que Moro e procuradores participaram entusiasticamente, já em outubro de 2009, de uma conferência no Rio de Janeiro, na qual pediram treinamento aos americanos da Coordenação do Contra-Terrorismo – treinamento multijuridicional, prático, inclusive com demonstrações sobre como preparar uma testemunha para depor. Nas palavras do próprio documento vazado: “Treinamentos futuros devem focar áreas como força tarefa sobre ilícitos financeiros, que podem se mostrar a melhor maneira de combater o terrorismo no Brasil”.

Sabemos que no Brasil não há terroristas e sabemos quem ganha com a criminalização da esquerda. Já sabemos, portanto, quem quer a desestabilização. Por isso, para além da defesa de uma Presidenta eleita e de um ex-Presidente caçado injustamente, está em questão a defesa da democracia e da soberania. Quer dizer: da construção do futuro. Daí, a pergunta: Vamos continuar tolerando o intolerável?