quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Crise na economia?

O professor de economia José Maria Alves da Silva (Viçosa) publicou um artigo na versão eletrônica da Folha de S. Paulo no qual avalia (negativamente) o estado da arte da ciência econômica. Retomando a oposição clássica entre neoclássicos e keynesianos, Silva critica os exageros do formalismo e dos "toy models" e a incapacidade da economia mainstream de resolver problemas políticos concretos. 

Esperemos as réplica....

A crise da ciência econômica

Por José Maria Alves da Silva

Movimentos acadêmicos cada vez mais expressivos na Europa e América do Norte indicam grande descontentamento com o estado atual do ensino de economia e a formação dos economistas. Para isso, muito contribuíram as falhas explicativas da ciência econômica evidenciadas pela crise econômica mundial, deflagrada em 2008, e seus desdobramentos no que tem sido chamado de a "longa recessão".

Um paradigma científico está moribundo quando é sistematicamente contradito pelos fatos. Não há mais dúvida de que é esse o caso do chamado paradigma neoclássico em economia. No entanto, ele continua servindo de base para a "ciência normal" reverenciada pela grande maioria dos economistas, o chamado mainstream. Para a humanidade, isso seria apenas lamentável se não fosse trágico.

Como Keynes já havia deixado bem claro, o paradigma neoclássico não serve para a compreensão dos fenômenos macroeconômicos do mundo real contemporâneo simplesmente porque abstrai os elementos essenciais de sua natureza que o tornam intrinsecamente propenso à instabilidade. As crises macroeconômicas do capitalismo não surgem por obra de fatores externos ou perturbações de fora para dentro do sistema (choques), mas sim por defeitos "congênitos". Isto, que os fatos insistem em mostrar, continua sendo ignorado pelos praticantes do paradigma neoclássico.

A ruptura de paradigmas na ciência econômica deu-se na década de 1930, com a concorrência de dois eventos que se complementaram notavelmente: a grande depressão da economia norte-americana, deflagrada com o crash da bolsa de valores de Nova York, em outubro de 1929, e a publicação da Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda, de John Maynard Keynes, em 1936. Desde então, uma série de trabalhos fundamentados nos insights originais de Keynes vieram deixar bem claro as inconsistências entre o paradigma neoclássico e a realidade do capitalismo contemporâneo.

Como afirmou certa vez o teórico italiano Luigi Pasinetti, o modelo neoclássico faz sentido como representação virtual de economias que nunca existiram ou de primitivas economias baseadas no escambo de excedentes entre produtores independentes, autosuficientes e polivalentes, nas quais a manufatura era artesanal, não havia propriedade privada, a moeda era uma mercadoria com valor de uso utilizada como intermediária de trocas e a racionalidade humana se impunha por questão de sobrevivência. Esse é um mundo muito diferente do visto na perspectiva das salas de Wall Street.

Portanto, não é por virtudes científicas que o paradigma neoclássico continua predominante no ensino teórico da economia, mas sim por ser conveniente ao establishment, e, além disso, como bem já havia dito John Kenneth Galbraith, há mais de cinqüenta anos, por ser propício à construção e detalhamentos de modelos matemáticos sofisticados, que impressionam os incautos e seduzem a parcela da juventude deslumbrada com avanços tecnológicos, muito embora estejam mais para a "pajelança" do que para a ciência.

Enquanto certos economistas do mainstream se divertem com modelos lúdicos (toy models) em programas de pesquisa que habitualmente invertem a relação entre os meios e os fins da ciência, parcela considerável da população mundial padece sob os efeitos de crises que caberia a uma boa teoria econômica prevenir ou remediar. Estão brincando com coisa séria, e ainda podem ganhar o prêmio Nobel com isso.

Em linha com a revolução keynesiana, estão os trabalhos de grandes pensadores como Michail Kalecki, Nicholas Kaldor e John Kenneth Galbraith, entre outros, que realmente abriram caminhos para a constituição de uma ciência econômica séria. No entanto, esta que, a nosso ver, alcançou seu ponto mais alto com o trabalho de Hyman Minsky, tem sido marginalizada pelos mesmos motivos que explicam a permanência hegemônica do paradigma neoclássico.

É no caminho aberto por esses grandes autores que as novas gerações de economistas devem trilhar se quiserem se tornar praticantes de uma ciência útil em vez de meros agentes de mistificação.
JOSÉ MARIA ALVES DA SILVA, 61, é doutor em economia e professor da Universidade Federal de Viçosa