segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Chamada: IV Congresso de Filosofia Moral (UFPel)

Estão abertas as inscrições para o IV Congresso Internacional de Filosofia Moral e Política sediado na Universidade de Pelotas (RS). O tem desta edição é Normatividade e Racionalidade Prática. Entre os palestrantes convidados, Denilson Werle (UFSC) e Cristoph Horn (Bonn). A programação confirmada e os emails de contado podem ser encontrados na chamada abaixo:

Normatividade e Racionalidade Prática

PPGFIL - UFPel
cifmp.ufpel@gmail.com; 
joao.hobuss@ufpel.edu.br; 

O Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Pelotas promove a quarta edição do Congresso Internacional de Filosofia Moral e Política.
Nesse ano o tema será “Normatividade e Racionalidade Prática”. Novamente, o evento contará com a participação de influentes pesquisadores cujos trabalhos e considerações aproximam teorias clássicas e recentes da Filosofia Moral e Política de problemas atuais, levando a uma reflexão e debate sobre eles. Nesse sentido, a exemplo do que ocorreu nas edições anteriores, o evento contará com conferências proferidas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, bem como com minicurso, mesas redondas e comunicações, atividades que promoverão a reflexão e a discussão especialmente sobre o tema da “Normatividade e Racionalidade Prática”, tratando-a de um ponto de vista teórico com vistas a uma discussão embasada em argumentos, na qual serão levantados problemas cruciais da Filosofia Moral e Política atual.

Programação
Segunda – feira (09/11)

19:00 – Abertura

19:15 – Conferência

Cristoph Horn (Universität Bonn): How can we appropriately understand the overridingness of morality?
Terça-feira (10/11)

09:00
 – Minicurso (Walter Valdevino Oliveira Silva (UFRRJ):
A concepção de pessoa nos diferentes contextos normativos
14–16:00 – Comunicações

16-18:00 – Mesa Redonda

Juvenal Savian (UNIFESP): A ética da felicidade em Boécio

Gabriele Cornelli (UNB): Platão e as leis
19:15 – Conferência

Roberto Pich (PUCRS): Wittgenstein: Sobre Certeza, Regras e Normas
Quarta-feira (11/11)

09:00 – Minicurso (Walter Valdevino Oliveira Silva (UFRRJ):
A concepção de pessoa nos diferentes contextos normativos
14–16:00 – Comunicações

16-18:00 – Mesa Redonda

Rogério Lopes (UFMG): Uma concepção não moral de normatividade prática

Christian Hamm (UFSM): Normas, máximas e postulados morais em Kant
19:15 – Conferência

Heiner Klemme (MLU Halle-Wittenberg): 
Praktische rationalität und normativität bei Kant
Quinta-feira (12/11)

09:00 – Minicurso (Walter Valdevino Oliveira Silva (UFRRJ):
A concepção de pessoa nos diferentes contextos normativos
14–16:00 – Comunicações

16-18:00 – Mesa Redonda

Denilson Werle (UFSC):
Normatividade e racionalidade prática segundo Axel Honneth

Konrad Utz (UFC): Kant e a descoberta da fundamentação normativa
19:15 – Conferência
Giuseppe Lorini (Universitá degli Studi di Cagliari, Itália): Background of normativity

Prorrogação: I Colóquio de História da Filosofia Política

O prazo para a submissão de trabalhos para o I Colóquio de História da Filosofia Política  foi extendido para 20/09. O tema desta edição será Representação e Liderança Política e o evento é organizado pelo grupo de teoria política da Universidade do Minho.


BRAGA COLLOQUIUM IN THE HISTORY OF MORAL AND POLITICAL PHILOSOPHY
EXTENDED SUBMISSION DEADLINE: 20th September, 2015
“Representation, the People, and Political Leadership”
University of Minho (Braga – Portugal)
14-15 January 2016
Keynote Speaker

Nadia Urbinati (Columbia University)

Call for papers
The Political Theory Group of the University of Minho is delighted to announce the inaugural event of the Braga Colloquium in the History of Moral and Political Philosophy: an international annual conference to be held every year in January at the University of Minho in Braga, Portugal. The purpose of this new conference series is to promote the study of the tradition of political and moral philosophy and its legacy in shaping our institutions, culture and beliefs. In this important respect, the conference series will focus on how this tradition can contribute to tackling the challenges our societies are facing today. Every year the conference will focus on a specific theme, which will be chosen by taking in consideration the current political situation in Europe (and beyond).

In line with the spirit behind this new series of conferences, the first edition of the Braga Colloquium in the History of Moral and Political Philosophy will be dedicated to explore the ideas of “representation”, “the people”, and “political leadership”. Since Thomas Hobbes, we have come to understand that the idea of the ‘sovereign people’, and its expression by the state through the idea of representation, is a fiction that makes possible the collective exercise of power on the large scale of modern states. Modern thinkers such as Locke, Montesquieu, Rousseau, the Federalists, Burke, and Weber or, more recently, Pitkin, Habermas, Rawls, Arendt, or Pettit, have offered a rich panoply of ways of constructing such a fiction. But also in the ancient tradition of, say, Plato, Aristotle, Cicero, or Marsilius of Padua, when the question of ‘representation’ was still not explicitly thematized, we can find suggestive insights to think about this topic. Importantly, these different fictional accounts of ‘the sovereign people’ yield different political outcomes, different forms of state, different forms of political participation, different relationships between the people and their political representatives, and so on. At the same time, each of these fictions are based on some critical assumptions regarding, for instance, the capacities needed to engage in politics and how they are distributed among the people, the source of political authority, the level of (in)commensurability between different worldviews, what it means to represent in political terms, and so on.

The deep crisis of representative institutions in Europe’s and the concomitant rise of new (or supposedly new) forms of populism have made it absolutely urgent to reassess how we articulate the relationship between our ideas of ‘representation’, ‘the people’, and ‘political leadership’, in particular taking into consideration which political outcomes our conceptions engender and on which political assumptions they are based. We invite scholars interested in these topics to propose papers that interrogate the history of moral and political thought?ancient, modern, and contemporary?in order to illuminate our current predicament.

Submission guidelines
Abstracts, of no more than 500 words, should be sent to: grupoteoriapolitica@ilch.uminho.pt
Extended Deadline 20th September 2015
In addition to the abstract, please include in your proposal your academic title, name, affiliation, and the title of your contribution.
The official language of the conference will be English.
Organization Political Theory Group, CEHUM-University of Minho

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Honneth e a ideia de liberdade social

O filósofo Axel Honneth (Columbia / Goethe) ministrou a Dewey Lecture in Law and Philosophy de 2014 com o título Three, Not Two, Concepts of Liberty. O vídeo e o áudio da conferência acabaram de ser divulgados pela Universidade de Columbia e podem ser encontrados abaixo. 

Partindo da distinção clássica estabelecida por Isaiah Berlin entre dois sentidos antagônicos deo valor da liberdade - liberdade como ausência de interferência individual e liberdade como autorrealização pessoal - Honneth procura construir um terceiro sentido que denomina de "liberdade social". Segundo Honneth, no que diz respeito a uma série de atividades cotidianas, porém importantes, em nossas vidas dependemos da ação voluntária e recíproca de outras pessoas para a constituição do bem almejado. Sem a cooperação não-coagida de outros iguais em consideração e respeito não poderíamos construir relações verdadeiras de amizade ou amor, por exemplo. Ou seja, antes de ser um limite natural à extensão da minha liberdade (liberdade negativa), ou algo a ser anulado pela autonomia racional (liberdade positiva), a presença do outro seria a própria condição para a plena realização dessas atividades. A formação de vontade democrática seria o principal exemplo de liberdade social para a teoria política: apenas por meio do debate não-coagido entre pontos de vista diferentes ou antagônicos asseguramos, segundo Honneth, a legitimidade de decisões políticas coletivas. A democracia dependeria, portanto, de uma noção social e não-individualista de liberdade.

Na segunda parte de sua palestra Honneth procura oferecer uma breve história do conceito de liberdade social, começando pela noção de "liberdade objetiva" apresentada por Hegel até chegar a apropriação dessa noção pelos movimentos socialistas do século XIX (ver aqui para uma versão preliminar da apresentação). Ao ignorar o sentido social de liberdade, a teoria política contemporânea teria esquecido um dos três valores constitutivos das sociedades políticas modernas: a fraternidade entre iguais.






Even for those among us who are not altogether convinced by Isaiah Berlin's famous essay "Two Concepts of Liberty," it has by now become commonplace to adopt a distinction between "negative" and "positive" liberties that largely coincides with the one he offered. In my lecture I defend the thesis that this bifurcation of the concept of freedom is incomplete in a significant respect, because it omits a third type, which I will call "social freedom." I proceed first by illustrating with some well-known examples how we must understand this third form of freedom, which cannot be performed by one subject alone, but rather requires the cooperation of others. In the second step I want to recall briefly the philosophical tradition in which this idea of "social freedom" has always had a central place. Finally, I delve into the systematic question of whether the suggested model of freedom in fact designates a third concept, which does not conform to the traditional bifurcated understanding.


segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Tomando chá com Hayek

Conta-se que durante uma importante convenção do partido conservador inglês em 1970, na qual os rumos do partido estavam em discussão, a futura baronesa e primeira-ministra Margaret Thatcher, então uma jovem liderança do partido, interrompeu uma apresentação que propunha um caminho mais pragmático e conciliador entre capitalismo e socialismo retirando de sua pasta um tomo grosso: "é nisso que acreditamos". O livro em questão era a A Constituição da Liberdade escrito pelo filósofo e economista austríaco Friedrich Hayek (ver o relato aqui). 

Como sabemos, Thatcher levou a melhor na orientação ideológica do seu partido e durante três governos sucessivos transformou radicalmente a política inglesa, rompendo com a tradicional desconfiança conservadora frente ao livre-mercado e ao individualismo, e impondo duras derrotas políticas ao trabalhismo inglês.



No ensaio intitulado The Friedrich Hayek knew, and what he got right - and wrong, publicado em julho na NewStatesman, o filósofo político inglês John Gray (Oxford) traçou um denso perfil intelectual de Hayek. A partir de seus encontros pessoais com o economista e tendo como pano de fundo o impacto de suas ideias no mainstream político inglês, no que se convencionou chamar de Nova DireitaGray procura mostrar que as concepções minimalistas de Hayek sobre o papel do governo na economia e seu ceticismo anti-democrático foram marcadas muito mais pela experiência política fracassado do Império Austro-Húngaro do que propriamente pela aversão ao fascismo ou ao socialismo na década de 30. Esses dois movimentos representariam, na verdade, apenas mais um exemplo possível de irracionalismo e ausência de instabilidade social: 

At the start of the 20th century, Vienna was one of the world’s great cosmopolitan cities. Though not without grievous bigotry – in 1897, after repeated attempts by the emperor to block the appointment, the city elected a virulently anti-Semitic mayor – the population was not divided, as much of central Europe soon would be, into violently hostile groups. The antique structures of the Habsburg state supported a society that was remarkably modern, not only in its embrace of technology (railways and trams, electric lighting and public sanitation) but also in enabling people with widely ­differing cultures to coexist and work productively with one another. The destruction of this order after the Great War by the forces of nationalism – which the US president Woodrow Wilson inflamed by insisting that Europe could be rebuilt only on the basis of popular self-determination – framed a dilemma with which Hayek struggled for the rest of his long life [...] .

Hayek manteve relações permanentes com os principais filósofos e economistas ingleses do século XX, exercendo um papel intelectual semelhante ao de seus conterrâneos - e também exilados - Karl Popper e Wittgenstein (de quem era primo distante!). Podemos afirmar que Hayek, ao lado do já mencionado Popper, e do russo-letão Isaiah Berlin, redefiniram, a despeito de diferenças teóricas importantes entre eles, o pensamento político inglês do século XX. Todos liberais. Todos pessimistas. E todos profundamente impactados pelo colapso da velha ordem política centro-européia. Não é à toa que identificamos a variedade de teoria liberal desenvolvida por esses autores - a qual o próprio John Gray é hoje um dos principais defensores - como liberalismo do medo.

As contribuições de Hayek para a filosofia política foram muitas. Mesmo que seu trabalho como economista tenha sido menor, como mostra Gray ao compará-lo com as contribuições mais duradouras de Keynes, Hayek formulou, por exemplo, uma das objeções mais importantes até hoje levantadas às experiências de planificação econômica. 

Sua formulação mais famosa desse argumento foi apresentada no célebre artigo Economics and Knowledge publicado em 1937. Economias de controle central procuram determinar a alocação mais eficiente dos recursos econômicos a partir da coleta e analise de informações sociais produzidas por agências governamentais. Hayek, contudo, procura mostrar que para além dos já conhecidos problemas de oportunismo e trapaça (falseamento das próprias preferências) e de dificuldade de coleta de informações em grande escala (custos de obtenção de informação), existe um obstáculo verdadeiramente intransponível para mecanismos de centralização: a própria relação de trocas livres é uma forma de produzir conhecimento e, portanto, não é possível determinar de antemão qual seria a alocação ótima de recursos sociais. 

Mesmo uma sociedade composta apenas por altruístas socialistas, por exemplo, dependeria do mercado como uma fonte de informação necessária para a atribuição de valor à bens de consumo e bens de produção na medida em que consumidores não sabem explicitamente quanto pretendem gastar ou poupar, nem as empresas possuem uma informação perfeita sobre sua capacidade produtiva, e muito menos as agências estatais sabem precisar qual será o impacto de longo-prazo de suas políticas públicas (isto é, para Hayek, não existe uma "decisão lá", anterior à própria interação no mercado, à espera de ser coletada). Dada a limitação do conhecimento social, mesmo sociedades nas quais os meios de produção são coletivos dependeriam de instituições de que imitassem, pelo menos, as forças do livre-mercado. (Essa é, por exemplo, a principal premissa do socialismo de mercado de autores marxistas como John Roemer).  

Todos que já se aventuraram na obra de Hayek sabem o quanto seus textos são repetitivos, enfadonhos e... convincentes até certo ponto. Podemos discordar radicalmente de sua concepção de liberdade individual (a qual não aceita a possibilidade de formas não-intencionais de coerção) e, sobretudo, de sua teoria da legitimidade política que, reformulando um clássico argumento de David Hume, procura mostrar de que modo a existência de uma ordem legal (qualquer que seja ela) beneficiaria a todos os envolvidos vis-à-vis a ausência completa de estabilidade. Disso decorreria, segundo Hume (e Hayek), que mesmo aqueles menos beneficiados por um dado arranjo legal (por exemplo, aqueles sem propriedade em um sistema capitalista) possuiriam uma boa razão para apoiar suas instituições não obstante os eventuais ônus pessoais sob certos arranjos. Desse modo, não existem reivindicações de justiça ou propriedade anteriores às próprias regras sociais que as instituem. 

Como vários autores já demonstraram, contudo, estamos diante de um argumento falacioso caso queiramos justificar essa ordem para cada uma das pessoas envolvidas e não apenas para o "bem comum". O que me garante que em no estado de natureza eu não esteja em melhores condições pessoais do que vivendo sob um regime de apartheid racial, ou sendo um trabalhador ou trabalhadora pobre em uma organização social ultra-liberal? - Dois exemplos extremamente bem-sucedidos de arranjos legais "estáveis" mas profundamente injustos.

Entretanto, a leitura em primeira mão das obras de Hayek nos convence de que caso o valor a ser maximizado pela organização social seja a estabilidade institucional e a produção econômica agregada (e não a justiça, os direitos individuais ou a felicidade humana - três "miragens filosóficas" segundo Hayek) então talvez devêssemos prescindir de uma noção mais ampla de democracia ou da tentativa de realizar uma ordem social mais justa. O problema é que para darmos esse passo precisamos aceitar, em primeiro lugar, uma concepção agregativa de "bem comum" e uma moralidade exclusivamente consequencialista. Duas concessões extremamente difíceis de serem feitas, principalmente pelos menos beneficiados pela cooperação social.

A leitura do ensaio de Gray pode ser útil em muitos sentidos. Em primeiro lugar porque Gray aponta para os erros mais comuns de interpretação das obras de Hayek (aqueles que acreditam, por exemplo, que Hayek tem como foco último de preocupação o indivíduo, e não o progresso social, talvez precisem reler melhor seus argumentos...). Em segundo lugar, na medida em que aponta para os limites de sua visão econômica no mundo de hoje. Com bem observa Gray, do fato de que as sociedades humanas tendem a se auto-organizarem por meio de regras e convenções úteis não se segue que tais regras promovam necessariamente uma "ordem liberal" como assume Hayek - a partir das recentes crises econômicas, conclui Gray, podemos concluir que "não há nada particularmente liberal na Máfia". 

Finalmente, a leitura pode ser útil porque uma parte do pensamento político brasileiro tem encontrado no liberalismo conservador de Hayek uma importante fonte de inspiração. Na visão deles, a política brasileira estaria presa à um Estado excessivamente opressor e ineficiente (ver aqui uma tentativa de desenvolver esse argumento). Precisaríamos de mais auto-organização econômica e menos intervenção estatal. 

Ainda que, tal como ocorrido na Inglaterra, seja perfeitamente possível entender a conciliação entre conservadorismo moral e os argumentos de estabilidade constitucional e econômica defendidos por Hayek em A Constituição da Liberdade, talvez seja o caso de prestarmos um pouco mais de atenção para a história política da América Latina antes de seguirmos nesse caminho. A insistência em usar a força e a opressão como meios legítimos para a criação de uma ordem dita "liberal" - em um sentido muito estranho do conceito - e contra tentativas de expansão dos direitos políticos e do acesso equitativo à riqueza social em países como Argentina, Uruguai, Brasil, Chile, etc. tem sido a principal fonte de destabilização democrática na região. A influência de Hayek sobre os juristas e economistas da junta militar no Chile durante a ditadura de Pinochet, por exemplo, foi notória, ainda que o endosso do próprio Hayek ao "autoritarismo liberal" [sic] seja um tema até hoje em aberto (ver aqui e aqui). 

Exemplos históricos como esses nos mostram que, antes de sentarmos para tomar chá com Hayek, precisamos levar a sério certo paradoxo presente nas concepções liberais-conservadoras de justiça: a ideia de que é possível, em nome da prosperidade e da proteção das liberdades pessoais, ameaçar as instituições democráticas e aterrorizar os cidadãos, violando seus direitos fundamentais com uso o ilegítimo do aparato coercitivo. Nada mais estranho ao ideal de uma sociedade verdadeiramente livre. 

Agradeço à Camila Rocha pela discussão e sugestões.


Leituras adicionais:

(versão condensada publicada pela revista Reader's Digest em 1945, inclui ilustrações!)


(artigo publicado na The Nation sobre Hobbes e a tradição conservadora-revolucionária inglesa no qual o autor discute a postura de Hayek e Friedman sobre o "autoritarismo liberal").

- Facção do Chá ao Estilo Brasileiro (post)

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A invisibilidade do ateísmo no Brasil

Segundo a ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) e com base nos dados do último senso de 2010, o número de pessoas que se declara publicamente como "sem religião" é de quase 2 milhões de brasileiros maior, portanto, do que o número de brasileiros que declara possuir uma religião não-cristã (ver o vídeo institucional abaixo). 




Contudo, a visibilidade do ateísmo ou de estilos vida estritamente seculares é muito baixa na esfera pública brasileira. Procurando aumentar a visibilidade social do grupo, a ATEA tem veiculado outdoors com slogans pró-ateísmo (tais como "Sua religião não é nossa lei" e "Ateísmo: uma relação pessoal com a realidade"). Os resultados ainda são incertos visto que a maioria das companhias de transporte coletivo recusaram os contratos publicitários amparados nas leis locais de proteção "à moral e aos bons costumes". Ser ateu, para grande parte da nossa sociedade civil, seria ofender o direito de ser religioso. 

Em artigo recente para a Novos Estudos denominado Ateísmo no Brasil: da invisibilidade à crença fundamentalista", Paula Montero (USP/CEBRAP) e Eduardo Dullo (Museu Nacional) procuram interpretar esse fenômeno. A principal dificuldade das minorias atéias no Brasil, segundo os antropólogos, é desvincular concepções morais e intelectuais que afirmam positivamente a inexistência de Deus, de um lado, da posição mais aceita de "sem religião", de outro. Ou seja, ser ateu no Brasil é ser definido pela negação da religião oficial e não como uma escolha (legítima) de um modo de vida no qual a religiosidade não é dotada de significado algum e, portanto, não deveria informar as nossas escolhas pessoais ou relações morais. 

Ao excluir a possibilidade lógica (e ética) de que alguém "não creia", a esfera pública brasileira estaria classificando de modo binário os cidadãos e cidadãs brasileiras entre crentes e não-crentes quando o pluralismo moral em uma sociedade democrática deveria exigir que a adesão a modos de vida seculares fossem respeitados enquanto apenas mais uma concepção de felicidade humana, em pé de igualdade frente a cada uma das demais escolhas possíveis. Como afirmam os autores:

não crer na existência de Deus é percebido [pela maioria religiosa] como uma escolha dentro do campo de possibilidades religiosas. Desse modo, a posição pretendida pelos ateus, de poder expressar publicamente suas críticas à religião situando-se ao mesmo tempo fora do campo religioso, não é uma posição historicamente possível no atual contexto social e jurídico brasileiro. Essa impossibilidade histórico/jurídica é reforçada pelo fato de que “ser ateu” é percebido como uma “escolha religiosa” individual tornada possível pela proteção legal, e não uma herança “natural” como a cor da pele ou a orientação sexual. O entendimento comum de que as pessoas são livres para escolher a própria “crença”, um dos princípios mais bem-aceitos do Estado laico, é continuamente mobilizado aqui para definir o “ateísmo” como uma variante “religiosa”. 

Às vésperas de uma tentativa de golpe regimental pelos setores mais conservadores da nossa sociedade  - que abertamente já se posicionaram contra a laicidade do Estado brasileiro - talvez seja o momento de prestarmos mais atenção em algumas distinções elementares. Que do ponto de vista teológico existe uma divisão importante entre "sem religião" e "não religioso" mas que, do ponto de vista da justiça de nossas instituições, trata-se apenas de uma diferença e não de uma desigualdade de valor.

- Montero & Dullo: "Ateísmo no Brasil: Da Invisibilidade à Crença Fundamentalista"

Resumo: Apesar do aumento significativo do número de brasileiros que se declaram sem religião, de acordo com o Censo de 2010, o ateísmo como doutrina política permanece praticamente invisível como fenômeno social e como objeto de pesquisa acadêmica no Brasil. A partir da problemática mais ampla da discussão sobre a laicidade e a formação de uma sociedade secular, este artigo propõe descrever a tentativa de veiculação de uma campanha ateísta nos transportes públicos (por parte da Associação de Ateus e Agnósticos — ATEA) e analisar as razões para o fracasso da campanha. Considerando as reações à campanha e a acusação de “fundamentalismo” direcionada à ATEA, argumentamos que o ateísmo é reinterpretado socialmente no Brasil como uma escolha interna ao campo das religiões.


Republicanismo e Liberdade de Expressão na BPSR

A última edição da Brazilian Political Science Review traz dois bons artigos de teoria política. O primeiro, de autoria de Ricardo Silva (UFSC), aborda o conceito republicano de não-dominação e sua interpretação nos diferentes modelos de democracia tal com encontrado nas obras de Pettit, Bellamy e McCormick. Já o artigo de Renato Francisquini (UFSC) propõe uma nova dimensão para o princípio de liberdade de expressão. Um uso equitativo das liberdades comunicativas exigiria a avaliação permanente dos meios de comunicação em busca de violações intencionais ou obstruções sistêmicas ao pleno exercício do pluralismo democrático. 

Ricardo Barbosa da Silva

Following the republican revival of the last few decades, the ideal of freedom as non-domination has become an important point of convergence among republican theorists, especially among those associated with neo-Roman republicanism. Furthermore, all neo-Roman theorists argue that a legitimate republican polity in contemporary societies must take a democratic form to overcome the aristocratic and elitist features pervasive in classical and modern republicanism. This study argues that the emerging concept of republican democracy remains essentially contested despite the increasing agreement on the ideal of liberty being constitutive of the republican tradition. It posits that the meaning of the concept of republican democracy becomes unstable in the transition from the normative ideal to the institutional level of neo-republican reasoning, which is evidenced by the fact that neo-Roman theorists embrace the ideal of non-domination but disagree on the characteristics of the institutional design capable of realizing that ideal. To substantiate this argument, the study compares three recent models of democracy that are somehow associated with neo-Roman republicanism—the electoral-contestatory model, the political constitutionalism model, and the Machiavellian democracy model, championed by Philip Pettit, Richard Bellamy, and John McCormick, respectively.

Renato Francisquini


This study addresses, from a theoretically oriented perspective, the relationship between freedom of expression and democracy, trying to assess its implications for the regulation of mass media. Starting with a legal case in which a TV channel and a journalist were prosecuted for hate speech, looking at the reaction of the São Paulo Press Association to the case, I examine three perspectives on the statute and the reach of expressive liberties—the Millian Principle, the collectivist approach, and the participatory view—which connect these liberties to the ideas of moral autonomy and self-determination. For different, but related, reasons, these views present a conception of free speech that would not garner universal agreement in a pluralistic society. Moreover, some of the ideas defended could justify rules (or the absence of them) that might harm the social bases of self-respect. In opposition to these lines of thought, I argue for the fair value of communicative liberties; i.e., the idea that everyone should have access to the same rights and effective conditions to exercise communication. This means a fair distribution of opportunities for occupying the mediated public space and the establishment of rules to discourage the dissemination of ideas that fail to acknowledge the equal respect that we owe to each other as members of the political association. Democracy, I shall contend, comprises both private and public autonomy. A fair system of communicative freedom is to be seen as the outcome of and the upholding force in a democratic society.



sábado, 1 de agosto de 2015

Dossiê Marx e Representação Política (Revista Dois Pontos)

A revista de filosofia Dois Pontos está recebendo artigos dedicados aos temas Marx e Representação Política. O prazo para a submissão de trabalhos termina dia 15/setembro



Chamada para artigos:

Representação Política e Marx
Prazo para a submissão de artigos: 15/setembro/2015


Jean-Fabien Spitz na USP

O filósofo político francês Jean-Fabien Spitz (Sorbonne) ministrará um curso de curta duração sobre a concepção republicana de liberdade durante no Departamento de Filosofia da USP (veja a ementa do curso abaixo). Sptiz é o autor de uma obra clássica sobre a genealogia do conceito de liberdade intitulada La Liberté Politique: essai de généalogie conceptualle (1995), livro que ainda está a espera de uma tradução em português. Além disso, Spitz foi também o grande responsável por revitalizar a vertente francesa do neorrepublicanismo, que tem Rousseau como referência central, vis a vis a famosa retomada anglo-saxã de Skinner e Pettit (ver, por exemplo, seu artigo Rousseau et la tradition révolutionarie française: une énigme pour les républicains (2007), na minha opinião um dos melhores artigos sobre Rousseau escrito nos últimos tempos). 

O prazo para as inscrições terminam dia 04/agosto.
Mais informações: ppgdf@usp.br

Agradeço a Roberta Soromenho pela informação.