sexta-feira, 29 de abril de 2016

Notas da FAPESP e da ANPOCS sobre a declaração do governador Geraldo Alckimin

Na última reunião com seus secretários, o governador de São Paulo Geraldo Alckimin (PDSB) colocou em questão a eficiência do trabalho da principal agência de fomento à ciência do seu estado, a FAPESP. Segundo relato publicado pela imprensa, o governador teria afirmado que, ao invés de priorizar áreas estratégicas, a FAPESP "gastaria dinheiro com pesquisa sem nenhuma utilidade prática para a sociedade". Ainda segundo o governador, a agência apoiaria "projetos de sociologia ou projetos acadêmicos sem nenhuma utilidade" ao invés de destinar seus recursos para "vacina contra a dengue". Talvez se sentindo protegido pela baixa credibilidade jornalística do veículo de imprensa que originalmente publicou a declaração, o gabinete do governador nega que tenha criticado diretamente a FAPESP - mas não a sociologia. 

A declaração do governador reflete um grave mas, infelizmente, disseminado desentendimento sobre a natureza da produção científica em geral e, particularmente, sobre tipo de conhecimento produzido pelas ciências humanas: área do conhecimento com pouco valor de mercado (critério normativo normalmente implícito nesse tipo de juízo) e, as vezes mas nem sempre, com impacto social de médio ou longo prazo. A baixa qualidade do debate público brasileiro, a incapacidade de preservarmos nossa memória e de entendermos objetivamente os problemas políticos e sociais que enfrentamos, tal como ficou explícito especialmente ao longo deste ano, são apenas alguns bons motivos para reavaliarmos esse preconceito.

Entretanto, é preciso reconhecer que mudar essa mentalidade é, tal como a própria ciência básica, uma tarefa árdua, incerta e permanente para qualquer pessoa que tenha escolhido a pesquisa científica como modo de vida. Uma rápida consulta ao site do Banco Mundial nos ajuda a mostrar como o gasto social com pesquisa e desenvolvimento não é apenas um dos principais índices de desenvolvimento social, como também a péssima posição do Brasil no contexto econômico e científico global. Além disso, é importante ressaltar, como lembra o diretor da FAPESP José Goldemberg, que a grande área das ciências humanas consome apenas 2% do recurso da agência (ver aqui) enquanto que a área de saúde é a que mais recebe recursos (ver a nota da ANPOCS).

Seguem, respectivamente, as notas da FAPESP e da ANPOCS a respeito da lamentável declaração de Geraldo Alckimin:


Nota do Conselho Superior da FAPESP

A FAPESP considera importante o debate na sociedade sobre o papel da pesquisa no Estado de São Paulo. Por determinação constitucional, esta Fundação deve apoiar o “desenvolvimento científico e tecnológico” no Estado de São Paulo (artigo 271, caput da Constituição Estadual) em todas as áreas do conhecimento (artigo 16, parágrafo primeiro da Lei 5918 de 1960).
Pela natureza intrínseca da ciência, resultados práticos de diferentes pesquisas podem se verificar em diferentes prazos, de maior ou menor extensão. Algumas pesquisas não se realizam para chegar a resultados práticos, mas sim para tornar as pessoas e as sociedades mais sábias e, assim, entenderem melhor o mundo em que vivemos, o que é uma das missões da ciência.
O Conselho Superior da FAPESP destaca que o apoio à pesquisa com vistas a aplicações tem recebido mais da metade (52% nos últimos três anos) dos recursos totais destinados às atividades-fim da Fundação. Por determinação legal, 95% do orçamento anual da FAPESP são destinados ao financiamento de pesquisas e é vedado à Fundação assumir encargos externos permanentes de qualquer natureza, inclusive salários.
Desde a sua criação, e por determinação legal, a FAPESP constituiu um patrimônio rentável que lhe permite, em situações de crise, não deixar de cumprir seus compromissos assumidos. Tal patrimônio tem sido administrado com rigor e eficácia ao longo de sua história e impedido que pesquisas importantes sejam interrompidas abruptamente por falta de recursos em tempos de arrecadação em baixa, como o atual.
O Conselho Superior afirma que a FAPESP, com a autonomia de que desfruta constitucionalmente, continuará obedecendo aos preceitos legais, atendendo às demandas de financiamento da pesquisa em todas as áreas do conhecimento científico e tecnológico.
A FAPESP está sempre atenta às demandas da sociedade, em busca do contínuo aperfeiçoamento do seu funcionamento, e continuará contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico do Estado de São Paulo e do Brasil, como vem fazendo diligentemente em seus mais de 53 anos de existência.

NOTA DA DIRETORIA EXECUTIVA DA ANPOCS SOBRE AS DECLARAÇÕES DO GOVERNADOR GERALDO ALCKMIN ACERCA DO FOMENTO À PESQUISA CIENTÍFICA



A diretoria da ANPOCS vem a público expressar sua estupefação diante das palavras do governador paulista, Geraldo Alckmin, em reunião com seu secretariado, noticiadas pela Folha de S. Paulo em 27/04/2016, referentes ao que reputa serem “projetos acadêmicos sem nenhuma relevância”, no bojo dos quais inclui as pesquisas da área de sociologia. Tal entendimento do campo científico e acadêmico revela um governante que desconhece não apenas a natureza da pesquisa básica de um modo geral, como das humanidades, em particular. O governador se mostra também desinformado sobre os gastos de uma agência de fomento sob a sua jurisdição, pois o investimento em pesquisas nas áreas de humanas correspondem a apenas um décimo do orçamento da FAPESP e sua contemplação de forma alguma se constitui num impeditivo ao fomento à pesquisa em outras áreas. 
O Relatório FAPESP 2014, último publicado, traz a seguinte informação:
“A Fundação apoia pesquisas em todas as áreas de conhecimento. Em 2014, como historicamente tem ocorrido, a área de Saúde foi a que recebeu a maior parte dos recursos (28,56%) (...) Em segundo lugar, com 15,87% do total, veio a Biologia, seguida das Ciências humanas e sociais (10,44%), Engenharia (10,27%) e Agronomia e veterinária (8,21%) e as demais. Somadas, Saúde, Biologia, Agronomia e veterinária, as chamadas Ciências da Vida, receberam, portanto, em 2014, pouco mais da metade (52,64%) do desembolso da FAPESP.” 
(FAPESP, Relatório de Atividades 2014, p. 7.)

O desenvolvimento de uma sociedade requer o avanço do conhecimento nos mais diversos campos científicos e tecnológicos, dos quais evidentemente não se pode excluir o imprescindível conhecimento sobre a própria sociedade. É surpreendente que na atual quadra histórica seja ainda preciso relembrar isto, mormente, quando a necessidade de tal lembrança decorre da manifestação de preconceitos por parte de um governante.