quinta-feira, 21 de abril de 2016

Pinzani: A Necessidade de um Estado Laico

O filósofo Alessandro Pinzani (UFSC) acaba de disponibilizar sua contribuição para a coletânea Religião em um Mundo Plural organizado por Horácio Martinéz e Marciano Spica (ver aqui o livro eletrônico). No artigo Por Que É Necessário um Estado Laico Pinzani apresenta e discute os trabalhos recentes de Charles Taylor e Jürgen Habermas sobre o papel da religião nas sociedades contemporâneas. A estranha sobrevida dos conflitos religiosos no início do século XXI fez com que ambos os filósofos repensassem o papel dos discursos religiosos na esfera pública. Para Pinzani, a presença ostensiva da linguagem religiosa no debate político tende a ser sobrevalorizada por defensores do pluralismo e, em alguns contextos como o Brasil, podem representar, na verdade, uma forma elaborada de resistência ao princípio da neutralidade - nesse sentido Pinzani tenderia a concordar com interpretações semelhantes a respeito do viés anti-secularista na constituição da esfera pública brasileira.

É de perguntar se, de fato, [as linguagens religiosas] desempenham em nossas sociedades um papel tão brilhante e vivificador como pensa Habermas. A impressão que se tem olhando o debate público de um país como o Brasil é que elas intervêm pesadamente para bloquear qualquer tentativa de desvincular a vida privada e pública das crenças religiosas (o que no Brasil significa praticamente: das crenças cristãs). Levantam sua voz quase exclusivamente para condenar o que vai contra seus ditames ou para reclamar privilégios. Sua atitude é de falsa abertura ao diálogo, falsa porque não há nenhuma abertura quando quem entra no diálogo o faz na convicção de possuir a verdade absoluta, garantida por uma divindade, e não está disposto a admitir que está errado e a apropriar-se da posição do interlocutor. [...] É legítimo que os indivíduos religiosos estejam convencidos de possuir a verdade, que pensem que os que não compartilham sua crença estão destinados a uma punição futura (danação eterna, reencarnação em um ser inferior etc.), e que desprezem os infiéis ou os pecadores: tudo isso é legítimo até quando permanece uma convicção pessoal. Não é legítimo, porém, que se sirvam de suas convicções pessoais para reclamar privilégios ou exigir discriminações, pois quando isso acontece, as forças religiosas “vitais” e “vibrantes” levam a sociedade a dar um passo, por mais imperceptível que seja, em direção à barbárie.


- Pinzani: "Por Que é Necessário um Estado Laico"