O filósofo Alessandro Pinzani (UFSC) acaba de disponibilizar sua contribuição para a coletânea Religião em um Mundo Plural organizado por Horácio Martinéz e Marciano Spica (ver aqui o livro eletrônico). No artigo Por Que É Necessário um Estado Laico Pinzani apresenta e discute os trabalhos recentes de Charles Taylor e Jürgen Habermas sobre o papel da religião nas sociedades contemporâneas. A estranha sobrevida dos conflitos religiosos no início do século XXI fez com que ambos os filósofos repensassem o papel dos discursos religiosos na esfera pública. Para Pinzani, a presença ostensiva da linguagem religiosa no debate político tende a ser sobrevalorizada por defensores do pluralismo e, em alguns contextos como o Brasil, podem representar, na verdade, uma forma elaborada de resistência ao princípio da neutralidade - nesse sentido Pinzani tenderia a concordar com interpretações semelhantes a respeito do viés anti-secularista na constituição da esfera pública brasileira.
É de perguntar se, de fato, [as linguagens religiosas] desempenham em nossas sociedades um papel tão brilhante e vivificador como
pensa Habermas. A impressão que se tem olhando o debate público de um país como o
Brasil é que elas intervêm pesadamente para bloquear qualquer tentativa de
desvincular a vida privada e pública das crenças religiosas (o que no Brasil
significa praticamente: das crenças cristãs). Levantam sua voz quase
exclusivamente para condenar o que vai contra seus ditames ou para reclamar
privilégios. Sua atitude é de falsa abertura ao diálogo, falsa porque não há nenhuma abertura quando quem entra no diálogo o faz na
convicção de possuir a verdade absoluta, garantida por uma divindade, e não está
disposto a admitir que está errado e a apropriar-se da posição do interlocutor. [...] É legítimo que os indivíduos religiosos
estejam convencidos de possuir a verdade, que pensem que os que não compartilham
sua crença estão destinados a uma punição futura (danação eterna, reencarnação em
um ser inferior etc.), e que desprezem os infiéis ou os pecadores: tudo isso é
legítimo até quando permanece uma convicção pessoal. Não é legítimo, porém, que
se sirvam de suas convicções pessoais para reclamar privilégios ou exigir
discriminações, pois quando isso acontece, as forças religiosas
“vitais” e “vibrantes” levam a sociedade a dar um passo, por mais imperceptível que seja, em direção à barbárie.
- Pinzani: "Por Que é Necessário um Estado Laico"