Na última reunião com seus secretários, o governador de São Paulo Geraldo Alckimin (PDSB) colocou em questão a eficiência do trabalho da principal agência de fomento à ciência do seu estado, a FAPESP. Segundo relato publicado pela imprensa, o governador teria afirmado que, ao invés de priorizar áreas estratégicas, a FAPESP "gastaria dinheiro com pesquisa sem nenhuma utilidade prática para a sociedade". Ainda segundo o governador, a agência apoiaria "projetos de sociologia ou projetos acadêmicos sem nenhuma utilidade" ao invés de destinar seus recursos para "vacina contra a dengue". Talvez se sentindo protegido pela baixa credibilidade jornalística do veículo de imprensa que originalmente publicou a declaração, o gabinete do governador nega que tenha criticado diretamente a FAPESP - mas não a sociologia.
A declaração do governador reflete um grave mas, infelizmente, disseminado desentendimento sobre a natureza da produção científica em geral e, particularmente, sobre tipo de conhecimento produzido pelas ciências humanas: área do conhecimento com pouco valor de mercado (critério normativo normalmente implícito nesse tipo de juízo) e, as vezes mas nem sempre, com impacto social de médio ou longo prazo. A baixa qualidade do debate público brasileiro, a incapacidade de preservarmos nossa memória e de entendermos objetivamente os problemas políticos e sociais que enfrentamos, tal como ficou explícito especialmente ao longo deste ano, são apenas alguns bons motivos para reavaliarmos esse preconceito.
Entretanto, é preciso reconhecer que mudar essa mentalidade é, tal como a própria ciência básica, uma tarefa árdua, incerta e permanente para qualquer pessoa que tenha escolhido a pesquisa científica como modo de vida. Uma rápida consulta ao site do Banco Mundial nos ajuda a mostrar como o gasto social com pesquisa e desenvolvimento não é apenas um dos principais índices de desenvolvimento social, como também a péssima posição do Brasil no contexto econômico e científico global. Além disso, é importante ressaltar, como lembra o diretor da FAPESP José Goldemberg, que a grande área das ciências humanas consome apenas 2% do recurso da agência (ver aqui) enquanto que a área de saúde é a que mais recebe recursos (ver a nota da ANPOCS).
Seguem, respectivamente, as notas da FAPESP e da ANPOCS a respeito da lamentável declaração de Geraldo Alckimin:
Nota do Conselho Superior da FAPESP
NOTA DA DIRETORIA EXECUTIVA DA ANPOCS SOBRE AS DECLARAÇÕES DO GOVERNADOR GERALDO ALCKMIN ACERCA DO FOMENTO À PESQUISA CIENTÍFICA
A diretoria da ANPOCS vem a público expressar sua estupefação diante das palavras do governador paulista, Geraldo Alckmin, em reunião com seu secretariado, noticiadas pela Folha de S. Paulo em 27/04/2016, referentes ao que reputa serem “projetos acadêmicos sem nenhuma relevância”, no bojo dos quais inclui as pesquisas da área de sociologia. Tal entendimento do campo científico e acadêmico revela um governante que desconhece não apenas a natureza da pesquisa básica de um modo geral, como das humanidades, em particular. O governador se mostra também desinformado sobre os gastos de uma agência de fomento sob a sua jurisdição, pois o investimento em pesquisas nas áreas de humanas correspondem a apenas um décimo do orçamento da FAPESP e sua contemplação de forma alguma se constitui num impeditivo ao fomento à pesquisa em outras áreas.
O Relatório FAPESP 2014, último publicado, traz a seguinte informação:
“A Fundação apoia pesquisas em todas as áreas de conhecimento. Em 2014, como historicamente tem ocorrido, a área de Saúde foi a que recebeu a maior parte dos recursos (28,56%) (...) Em segundo lugar, com 15,87% do total, veio a Biologia, seguida das Ciências humanas e sociais (10,44%), Engenharia (10,27%) e Agronomia e veterinária (8,21%) e as demais. Somadas, Saúde, Biologia, Agronomia e veterinária, as chamadas Ciências da Vida, receberam, portanto, em 2014, pouco mais da metade (52,64%) do desembolso da FAPESP.”
(FAPESP, Relatório de Atividades 2014, p. 7.)
(FAPESP, Relatório de Atividades 2014, p. 7.)
O desenvolvimento de uma sociedade requer o avanço do conhecimento nos mais diversos campos científicos e tecnológicos, dos quais evidentemente não se pode excluir o imprescindível conhecimento sobre a própria sociedade. É surpreendente que na atual quadra histórica seja ainda preciso relembrar isto, mormente, quando a necessidade de tal lembrança decorre da manifestação de preconceitos por parte de um governante.