O cientista político Leonardo Avritzer (UFMG) publicou na última edição da Boston Review uma detalhada explicação do papel do judiciário na crise política brasileira. Para Avritzer, pesquisador especialista sobre o arranjo institucional da Constituição de 88, o recente movimento nacional contra a corrupção (especialmente) pública no país seria a realização das intenções no novo arranjo constitucional. Arranjo que, paradoxalmente, só pôde ser efetivamente implementado, segundo o cientista político, com o suporte político e material dos últimos governos do PT - Avritzer lembra, por exemplo, os esforços de governos anteriores, como o de FHC, no enfraquecimento da atuação da PF e do Ministério Público em membros de sua coalizão.
Contudo, as ações inconstitucionais do juiz Sérgio Moro, tais como a violação do devido procedimento legal na conduta da Lavo Jato e a triste partidarização midiática da corrupção provida pelas Organizações Globo e pelo Estado de S. Paulo, em sua tentativa de criminalizar o PT e, com isso, inviabilizar eleitoralmente partidos progressistas no país, podem justamente comprometer aquilo que foi conquistado a duras penas até agora, a saber, a construção do consenso de que o sistema de financiamento político-partidário no país não apenas é injusto como potencialmente criminoso. A cruzada moralista dos apoiadores de Moro contra a própria ideia de partido - com frequentes referências religiosas ou ultra-nacionalistas - tende a fornecer munição ideológica ideal para aventureiros políticos, como o próprio juiz de primeira instância que já conta com projeção eleitoral superior a um dos atuais líderes do golpe, o senador José Serra (PSDB/SP):
"Lava Jato has won Sérgio Moro many fans in Brazil, and the global press can’t stop gushing. Fortune magazine ranked him thirteenth in its list of the world’s greatest leaders, the Washington Post called him “Brazil’s new hero,” and the Wall Street Journal compared him to a soccer star. Yet admirers in Brazil and abroad tend to downplay his violations of the rule of law and the politization of his investigation.
Moro is a student of anti-corruption prosecution and is influenced by Italy’s early-1990s Mani Pulite (“clean hands”) operation, about which he wrote in 2004. In his article, he claims the virtual extinction of the Italian Christian Democrats and Socialists as benefits of Mani Pulite. Given how he has overseen Lava Jato, it seems clear that he hopes his operation will mirror the effects of Mani Pulite, ridding the nation of a left-leaning political party, in this case the PT".
Para Avritzer, o episódio da publicação da lista de (suposto) financiamento da Odebretch confirmaria a seletividade da cruzada pessoal de Moro: mesmo tendo obtido o documento um mês antes da liberação, motivada por retaliação contra o Supremo Tribunal, a força-tarefa de Curitiba decidiu concentrar suas energias exclusivamente contra o Partido dos Trabalhadores e, particularmente, contra Lula, sua principal liderança nacional. Lula que, ao que tudo indicia, não parece estar implicado nas investigações. Como conclui Avritzer, é sempre preciso ter sempre em mente que, após as Mãos Limpas na Itália, os grande vitoriosos foram a grande mídia e as lideranças de extrema direita do país:
"After illegally releasing Lula’s tapes, Moro appeared on presidential polls with 9 percent backing, a notable level of support for a non-politician, indicative of his continuing popularity. If Brazil gets an Italian solution—the destruction of the major parties—Moro would be well placed to run for the presidency. Influential public figures unscathed by the scandal, such as dominant media players, may benefit as well. After all, it was the removal of the traditional parties in Italy that created an opening for media mogul turned Prime Minister Silvio Berlusconi. It will therefore be important to watch how Globo reacts to any deal to preserve today’s parties.
The first scenario is the more promising for the future of Brazilian democracy, even if it means maintaining parties that have harbored corruption. This path will involve punishing more harshly systemic corruption at Petrobras. On the basis of plea bargains, Moro sharply reduced sentences of Petrobras officials from a total of 283 years to just 6, limiting the deterrent effect of prosecution. Furthermore, if the political system is to endure, the parties must adopt a new, less compromising approach to financing electoral campaigns.
Meanwhile, the judiciary needs to ensure that corruption investigations do not violate the rule of law. In other words, Moro will have to decide whether he is a politician—committed to winning popularity, burnishing his media image, and defeating opposing parties—or a judge, prepared to follow the rules and apply them equally".
- Avritzer: "Chasing Lula" (Boston Review)