domingo, 16 de junho de 2013

Prostestos em SP

Enquanto as manifestações contra a política de transporte na cidade de São Paulo se intensificam e ganham adesão nacional, a discussão a respeito do dilema entre contestação pública e manutenção da ordem são discutidos na Folha de S. Paulo por  Elio Gaspari e Jânio de Freitas. Fica também a interessante matéria do Estado de São Paulo sobre a condição precária do transporte público na cidade: "Frota de ônibus encolhe, mas número de passageiros cresce 80% em 8 anos"


 Policial da Tropa de Choque dispara contra os manifestantes na avenida Paulista; motoristas ficam no meio do confronto

(ver mais imagens do confronto)


A PM começou a batalha na Maria Antonia

Elio Gaspari

Quem acompanhou a manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus ao longo dos dois quilômetros que vão do Theatro Municipal à esquina da rua da Consolação com a Maria Antônia pode assegurar: os distúrbios começaram às 19h10, pela ação da polícia, mais precisamente por um grupo de uns 20 homens da Tropa de Choque, com suas fardas cinzentas que, a olho nu, chegaram com esse propósito.

Pelo seguinte: Desde as 17h, quando começou a manifestação na escadaria do teatro, podia-se pensar que a cena ocorria em Londres. Só uma hora depois, quando a multidão engordou, os manifestantes fecharam o cruzamento da rua Xavier de Toledo.

Nesse cenário havia uns dez policiais. Nem eles hostilizaram a manifestação, nem foram por ela hostilizados.

Cerca das 18h30 a passeata foi em direção à praça da República. Havia uns poucos grupos de PMs guarnecendo agencias bancárias, mais nada. Em nenhum momento foram bloqueados.

Numa das transversais, uns 20 PMs postaram-se na Consolação, tentando fechá-la, mas deixando uma passagem lateral. Ficaram ali menos de dois minutos e retiraram-se. Esse grupo de policiais subiu a avenida até a Maria Antonia, caminhando no mesmo sentido da passeata. Parecia Londres.

Voltaram a fechá-la e, de novo, deixaram uma passagem. Tudo o que alguns manifestantes faziam era gritar: "Você é soldado, você também é explorado" ou "Sem violência." Alguns deles colavam cartazes brancos com o rosto do prefeito de São Paulo, "Maldad".

Num átimo, às 19h10, surgiu do nada um grupo de uns 20 PMs da Tropa de Choque, cinzentos, com viseiras e escudos. Formaram um bloco no meio da pista. Ninguém parlamentou. Nenhum megafone mandando a passeata parar. Nenhuma advertência. Nenhum bloqueio, sem disparos, coisa possível em diversos trechos do percurso.

Em menos de um minuto esse núcleo começou a atirar rojões e bombas de gás lacrimogêneo. Chegara-se a Istambul.

Atiravam não só na direção da avenida, como também na transversal. Eram granadas 

Condor. Uma delas ficou na rua que em 1968 presenciou a pancadaria conhecida como "Batalha da Maria Antonia". Alguns sobreviventes da primeira batalha, sexagenários, não cheiram mais gás (suave em relação ao da época), mas o bouquet de vinhos.

Seguramente a PM queria impedir que a passeata chegasse à avenida Paulista. Conseguiu, mas conseguiu que a manifestação se dividisse em duas. Uma, grande, recuou. Outra, menor, conseguiu subir a Consolação.

Eram pessoas perfeitamente identificáveis. A maioria mascarada. Buscaram pedras e também conseguiram o que queriam: uma batalha campal.

Foi um cena típica de um conflito de canibais com os antropófagos.



Jânio de Freitas

Já na passeata de terça-feira, alguém levava um cartaz bem visível para os PMs e mostrado várias vezes na TV: "Bala de borracha cega". Não era novidade para os soldados, era um lembrete. Não só para os soldados. Também para os meios de comunicação, dos quais, que me conste, nenhum fez alguma advertência contra o uso dessa arma. E cartaz dirigido também ao governador Geraldo Alckmin.

Um caso, entre tantos. Por um centímetro ou apenas milímetros, a repórter Giuliana Vallone, que não estava nas ruas como manifestante na quinta-feira, não perdeu um olho ao ser atingida por bala de borracha. Isso, no mínimo. Se uma dessas "balas não letais" atingir o flácido globo ocular, perfura-o e o cérebro está ao seu alcance. O resultado provável é a morte. Outras partes do corpo são também vulneráveis e tornam a vida vulnerável às balas de borracha. Agora mesmo um torcedor morreu, na Argentina, atingido por bala de borracha.

Qual é a finalidade dessa arma? É ferir, com todos os riscos de consequências além disso. Armas para afugentar, dispersar, conter à distância, sem o contato corpo a corpo do cassetete, são as bomba de gás lacrimogêneo e de gás de pimenta.

Em razão do seu cargo, o governador Geraldo Alckmin é o responsável pelo uso das balas de borracha e pelos riscos que impõem à integridade e até à vida de civis desarmados. Ainda que nem sejam participantes de atos vistos pelo governador como hostis ao seu governo.

Mas Geraldo Alckmin não é só governador. É médico. Tem ciência plena do que armas como as balas de borracha podem causar. E como médico tem o dever e o compromisso de servir à integridade e à vida de todo ser humano. É sua, no entanto, a responsabilidade pelo porte, pela autorização de uso e, portanto, pelas consequências das armas tão perigosas. Na linguagem convencionada, a sua é a posição de mandante do que quer que ocorra. E do que tenha ocorrido e venha a ocorrer às vítimas dos tiros com balas de borracha.

É no mínimo indecente que ainda hoje, sob o que consideramos regime democrático, chamemos os gases lacrimogêneo e de pimenta, os revólveres de choque e os tiros de borracha de armas de efeito moral. Denominação adotada pelos regimes de opressão policial-militar.

A volta de manifestações na semana entrante é mais provável do que uma solução para os protestos. Perspectiva idêntica fez aparecer na manhã de quinta-feira, nesta coluna, um trecho assim: "Quem lhes dá [aos oportunistas da arruaça] a oportunidade é sempre a polícia. As bombas de gás, os tiros, os cassetetes incitam as respostas desafiadoras: é a hora dos arruaceiros". À noite isso se confirmava, com reconhecimento até dos que afirmavam o oposto. É o que tende a ser visto outra vez, se as ordens dos mandantes da violência inicial não as retirarem. Ou até que haja morte. Com decorrências imprevisíveis.
O vídeo, posto na internet, do soldado quebrando vidros de um carro da PM, pode ficar como símbolo fiel dos acontecimentos em que um médico autoriza e avaliza o uso de armas perigosas contra pessoas em manifestação pacífica, a PM é que incita a desordem, e tudo é imoral nesses efeitos morais ao estilo das ditaduras, disfarçadas ou não.




"Frote encolhe, mas número de passageiros cresce 80% em 8 anos"

Nos últimos oito anos, o número de passageiros transportados nos ônibus paulistanos disparou, mas a frota total de coletivos diminuiu no mesmo período. Dessa maneira, mesmo com um aumento real de 30% no valor arrecadado nas catracas desde 2004, cada ônibus passou a transportar cerca de 80% mais passageiros em 2012.
No mesmo período, o valor arrecadado com o pagamento de passagens passou de R$ 3,3 bilhões - valor já corrigido pela inflação no período - para R$ 4,5 bilhões. Entretanto, a quantidade de ônibus circulando na cidade diminuiu ligeiramente em vez de crescer. Hoje, são 13,9 mil coletivos, ante 14,1 mil em 2004. O número total de viagens feitas pelos ônibus também teve uma ligeira queda no período, passando de 200 mil para 193 mil por dia útil. Ou seja: é mais gente sendo transportada pagando um valor mais caro, mas em menos ônibus e em menos viagens.O atual contrato de concessão do transporte coletivo na cidade foi assinado em 2004, na gestão de Marta Suplicy (PT). Naquele ano, 1,6 bilhão de passageiros foram transportados nos ônibus da capital - total contabilizado cada vez que alguém gira uma catraca de algum coletivo. Esse número disparou nos anos seguintes, principalmente após a adoção do bilhete único, que passou a permitir conexões gratuitas dentro de um certo período de tempo. Em 2012, os passageiros transportados chegaram a 2,9 bilhões.
Os números são da própria Secretaria Municipal de Transportes e foram compilados pela reportagem. Como revelam uma queda de conforto no sistema, eles ajudam a entender por que grande parte da população de São Paulo critica a qualidade do transporte coletivo na capital, bandeira que virou tema de protestos nas últimas semanas.
Eficiência. Uma das explicações para que o aumento da arrecadação não ter se traduzido em mais ônibus é a alta de custos do sistema, segundo especialistas. Isso aconteceu por dois motivos. "Em primeiro lugar, a inflação setorial é maior que a inflação ao consumidor amplo. Além disso, há um aumento da ineficiência do sistema nesse período", afirma o assessor técnico da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Marcos Bicalho.
Esse crescimento na ineficiência está ligado à piora do trânsito na cidade ao longo dos últimos anos. Dos dez últimos recordes de congestionamentos registrados pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), oito ocorreram de 2008 para cá. "Como a economia melhorou, é normal que você tenha mais gente usando o transporte público. Mas os ônibus estão fazendo menos viagens, porque ficam parados no congestionamento. Isso aumenta o custo de operação e resulta em uma piora no serviço, mesmo arrecadando mais", diz Bicalho.
A própria Secretaria Municipal de Transportes admite o problema, conforme atesta documento que faz parte da nova licitação da rede de ônibus. "O sobre-custo gerado pelas deseconomias advindas da falta de racionalização do sistema (...) recai sobre os usuários, que sofrem pela ineficiência do sistema, com o aumento dos tempos de viagens. Por outro lado, também são pressionados os custos do sistema, em especial os custos fixos representados pelo custo do capital e do pessoal operacional, além de um aproveitamento ineficiente da infraestrutura instalada", diz o órgão municipal.
A proposta do prefeito Fernando Haddad (PT) para melhorar esse cenário é justamente essa licitação. A ideia é criar 150 km novos corredores de ônibus - o que, segundo a Prefeitura, deverá aumentar a velocidade média dos coletivos nessas vias para 24 km/h - e outros 150 km de faixas exclusivas na direita. Além disso, as linhas seriam reorganizadas de maneira mais eficiente, privilegiando a conexão nos novos terminais e corredores. As concorrências para os ônibus e as vans somam R$ 46,3 bilhões.