Em setembro do ano passado Habermas ministrou uma conferência na Noruega sobre sua proposta de radicalização do projeto de integração política européia por meio de uma democracia transnacional. A palestra Democracy in Europe: Why the Development of the European Union into a Transnational Democracy is Necessary and How it is Possibleencontra-se disponível em formato de working paper no centro de estudos europeus ARENA. (ver o link abaixo). No Brasil, temos traduzido Sobre a Constituição da Europa (ed. Unesp) texto de 2011 no qual o filósofo alemão desenvolve pela primeira vez de modo sistemático sua proposta constitucional transnacional para o continente. Em tempos de Syriza e Podemos talvez seja o momento para os europeus começarem a levar Habermas a sério.
Can the process of European unification lead to a form of democracy that is at
once supranational and situated above the organizational level of a state? The
supranational federation should be constructed in such a way that the
heterarchical relationship between the member states and the federation
remains intact. I find the basis for such an order in the idea of the EU
constituted by a “doubled” sovereign – the European citizens and the
European peoples (the states). In order to sustain such an order reforms of the
existing European treaties are needed. It is necessary to eliminate the
legitimation deficits of the European Union in a future Euro-Union – that is, a
more closely integrated core Europe. The European Parliament would have to
gain the right to take legislative initiatives, and the so-called “ordinary
legislative procedure,” which requires the approval of both chambers, would
have to be extended to all policy fields.
A filósofa Julia Annas (Arizona) foi entrevistada recentemente pelo philosophy bites sobre a natureza e às características mais importantes de uma filosofia moral fundada nas virtudes humanas. A retomada contemporânea da ética das virtudes, como a corrente é conhecida no campo, representa uma das discussões mais interessantes da filosofia moral atual, sobretudo porque o debate retoma argumentos presentes na filosofia clássica. Ao contrário de teorias deontológicas ou consequencialistas nas quais o objeto de preocupação moral são as ações, sejam elas individuais ou coletivas, para a ética das virtudes é o caráter ou a personalidade dos agentes morais que constitui - ou que deveria constituir - o objeto da avaliação ética.
O próximo passo para quem quiser se aprofundar no assunto pode ser o verbete sobre a Ética das Virtudes da Stanford Encyclopedia assinado por outra grande filósofa da corrente, a professora Rosalind Hursthouse(Auckland).
As tradicionais Gifford Lecturessediadas nas universidades escocesas de Edimburgo, St. Andrews, Alberdeen e Glasgow, contaram como conferencista convidado de 2015 o filósofo neo-zelandês Jeremy Waldron (NYU). Fundadas em 1888 e tendo como objetivo original a "promoção e difusão do estudo da Teologia Natural", as Giffords tem produzido ao longo dos últimos 50 anos um conjunto impressionante de obras dedicadas à natureza dos valores morais e do seu papel no mundo contemporâneo. Filósofos como Hilary Putnam, Charles Taylor e G. A. Cohen produziram algumas de suas melhores obras a partir das Giffords. Jeremy Waldron, por sua vez, escolheu por tema o princípio da igualdade fundamental - expresso na fórmula de Bentham "todos contam por um e ninguém por mais de um" - e as diferentes interpretações desse princípio na filosofia contemporânea. A primeira das seis conferências e os links para as demais encontram-se abaixo:
Professor Jeremy Waldron, University Professor at the New York University Law School, delivers the first in the 2015 Gifford Lecture series, entitled "More Than Merely Equal Consideration, - the Rev. Hastings Rashdall"
In 1907, an Anglican clergyman teaching at New College, Oxford elaborated a theory of human inequality in Volume 1 of his book, The Theory of Good and Evil: A Treatise on Moral Philosophy.
Hastings’ theory is highly offensive to modern ears: for it is a form of philosophical racism.
But we will examine it — first, because it gives us a very clear picture of the position that basic equality has to deny; and second, because it hints at insidious ways in which rejections of basic equality might be revived.
Professor Jeremy Waldron, University Professor at the New York University Law School, delivers the second in the 2015 Gifford Lecture series, entitled "Everyone To Count For One - The Logic of Basic Equality"
In this lecture, Professor Waldron will distinguish basic equality from various normative positions - both egalitarian and non-egalitarian - that are built up on it.
Professor Waldron will seek to make sense of Jeremy Bentham’s maxim. That maxim, 'Everyone to count for one', is tantalizingly close to tautological: for what exactly does 'no one [counts] for more than one' rule out? And is basic equality just a negative position, denying significance to certain kinds of descriptive inequality? Or is it an affirmative position based on the positive significance of certain descriptive properties?
Professor Jeremy Waldron, University Professor at the New York University Law School, delivers the third in the 2015 Gifford Lecture series, entitled "Looking for a Range Property: Hobbes, Kant, and Rawls"
In 'A Theory of Justice' Rawls introduced the idea of a 'range property' - a sort of threshold-based approach to the significance of variations in a certain range. Professor Waldron explores this idea, which Hobbes and Kant also implicitly relied on.
Professor Jeremy Waldron, University Professor at the New York University Law School, delivers the fourth in the 2015 Gifford Lecture series, entitled "A Load-bearing Idea: The Work of Human Equality"
Defending basic equality is not just a matter of ‘coming up with’ some suitably shaped property that all humans share. The description must be relevant to the work that basic equality has to do. That work is comprehensive and foundational, across all aspects of morality.
Professor Jeremy Waldron, University Professor at the New York University Law School, delivers the fifth in the 2015 Gifford Lecture series, entitled "Human Dignity and Our Relation to God".
In this lecture Professor Waldron will relate our intimations about a transcendent basis for human equality to the work that was done in the previous lectures about the basic logic of the position.
Professor Jeremy Waldron, University Professor at the New York University Law School, delivers the sixth in the 2015 Gifford Lecture series, entitled "Hard and Heart-breaking Cases: The Profoundly Disabled As Our Human Equals".
In this lecture, Professor Waldron explores ways of thinking about these aspects of the human condition that allow us to maintain the integrity of basic human equality.
Após a derrota na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, o governo Dilma corre o risco de ter desastradamente pavimentado o caminho para a mais sinistra das reforma políticas em circulação no país: o "distritão". A regra levaria em conta apenas o número de votos individuais de cada deputado na distribuição de cadeiras no parlamento. A favor da proposta, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) procura demonstrar em seu artigo O 'distritão' de que modo o modelo do voto proporcional "prestigia o partido político em detrimento da vontade da maioria popular" e que, portanto, deveria ser reformulado já nas próximas eleições.
Na edição de hoje do caderno Aliás, Wagner Iglecias (USP) alerta para uma potencial "contrarreforma eleitoral" em curso no congresso capitaneada por uma inusitada coalização PMDB-DEM. Outro pesquisador a alertar para os perigos da contrarreforma é o cientista político Jairo Nicolau (UFRJ). Segundo Nicolau, a proposta do distritão defendida por Temer seria "a pior de todas as existentes"(vale notar que o próprio relator da reforma e apoiador do distritão, Marcelo Castro [PMDB-PI], enfrenta hoje processo por compra de voto e irregularidade na prestação de conta de campanha, dois dos problemas da "hiperindividualização" apontados por Nicolau).
A Câmara dos Deputados instalou, nessa semana, a Comissão da Reforma Política. O DEM, que vinha desidratando nos últimos tempos
por conta da perda de parlamentares para outras legendas e a eleição de bancadas cada vez menores, ficou com a presidência. A relatoria
coube ao PMDB. A dobradinha DEM/PMDB só foi possível porque os dois partidos estiveram juntos no bloco que garantiu a vitória de
Eduardo Cunha para a presidência da Casa, há duas semanas. Derrotado, o PT ficou de fora e terá dificuldades de influenciar as novas
regras eleitorais, que, segundo Cunha, deverão valer já para as eleições municipais do ano que vem.
Entre os principais pontos a serem discutidos estão a reeleição para cargos no Executivo, a duração dos mandatos, a obrigatoriedade do
voto, a mudança no cálculo para a eleição de deputados e o financiamento das campanhas eleitorais. Trata-se de um conjunto de
alterações que, se vierem a ocorrer, mudarão não apenas as regras das próximas eleições como nosso sistema político, com consequências
sobre nosso modelo de democracia.
Das propostas que poderão ser aprovadas, talvez a mais inócua seja o fim da reeleição e a alteração dos mandatos executivos para cinco
anos. Quem a defende argumenta que se trata de uma forma de evitar que o governante de turno use a máquina pública em seu favor. No
entanto, já assistimos diversas vezes a governantes que, na impossibilidade de serem novamente candidatos, buscaram de uma forma ou
de outra favorecer os pupilos que indicaram para suceder-lhes. Democracias bem mais antigas que a nossa, como a dos EUA, praticam a
reeleição há muito tempo. A chave para o problema está muito mais na fiscalização e na punição do que na extinção pura e simples da
regra.
Outra proposta que será discutida pela comissão é relativa à mudança do cálculo para a eleição de parlamentares. Hoje levam-se em
conta não apenas os votos obtidos pelos candidatos, mas também o sufrágio nas legendas e o montante de votos obtidos pela coligação de
partidos da qual o candidato faz parte. É um modelo controverso, pelo qual eleitos com centenas de milhares de votos carregam consigo
para o Parlamento colegas com desempenho bem menos expressivo. Pela proposta que deverá prevalecer na comissão, a do “distritão”,
serão eleitos os mais votados, e ponto. Independentemente de partido ou coligação.
Conjugada ao distritão está a manutenção das contribuições de empresas privadas às campanhas políticas. Sua eventual aprovação
tornará constitucional o mecanismo que introduz uma competição desigual entre quem tem e quem não tem condições de financiar a
candidatura. O STF vinha votando a proibição das contribuições privadas. A votação já estava praticamente decidida, com 6 dos 11
ministros tendo se posicionado pelo fim do financiamento privado. Mas há quase um ano o ministro Gilmar Mendes pediu vistas da ação
da OAB que pede o fim das doações. A votação parou e agora a eventual aprovação das contribuições privadas no Legislativo vai embolar
o que o Supremo já estava na iminência de decidir.
Na prática, grandes corporações terão, ainda mais que hoje, mais influência sobre os processos eleitorais do que os cidadãos, cada vez
mais restritos a essa quase formalidade que é o voto. Deputados eleitos por distritos deverão comportar-se como vereadores federais,
sempre em busca de nacos do orçamento federal com vistas a manter a sobrevivência política em seus respectivos currais eleitorais. O
Congresso deverá ficar ainda mais pobre como arena de discussão dos principais temas da vida nacional, dado que deputados “de
opinião”, com votos espalhados por várias faixas do eleitorado, ou representantes de segmentos específicos da sociedade terão pouca
chance de ser os campeões de voto na maioria dos distritos, ficando, portanto, de fora da composição do Legislativo.
Para completar, deverá ser aprovado também o fim do voto obrigatório. Num país de cultura democrática ainda tão frágil, dezenas de milhões de pessoas
poderão se auto-excluir dos processos eleitorais, delegando a uns poucos a definição de seu destino.
A íntegra da entrevista de Piketty ao programa Roda Viva já se encontra no site da TV Cultura. O programa foi marcado sobretudo pela presença de jornalistas que muito provavelmente leram muito pouco ou nada do livro. Contudo, a entrevista teve também um acirrado debate entre Piketty e o economista da USP André Lara Resende acerca das implicações normativas das teses contidas no livro O Capital no Século XXI. A certa altura da discussão, Resende chega a questionar a legitimidade das propostas de taxação progressiva de capital privado acumulado - defendida fervorosamente por Piketty em seu livro e em sua militância no partido socialista - sugerindo que a "gana" dos igualitários em taxar os muito ricos nas sociedades democráticas estaria mais próxima de um vício moral - a inveja - do que do valor da igualdade social. Com isso Resende retoma ao pé da letra o velho argumento de Hayek em seu ensaioEquality, Value, and Merit de 1960:
"When we inquire into the justification of these demands [from the egalitarians], we find that they rest on the discontent that the success of some people often produces in those that are less successful, or, to put it bluntly, on envy. The modern tendency to gratify this passion and to disguise it in the respectable garment of social justice is developing into a serious threat to freedom."
Piketty rebate a objeção a partir de duas considerações importantes que Resende (ou Hayek) estariam ignorando. Primeiro, que a desigualdade em si não é um problema, mas apenas a desigualdade econômica que não pode ser justificada por padrões democráticos, como por exemplo o acúmulo constante de riqueza entre o 1% mais rico em sociedades nas quais a grande maioria não possui, nem nunca possuiu, capital econômico. Em segundo lugar, que a acumulação privada de capital gera efeitos nocivos não apenas na economia - como parece supor Resende - mas possui consequências nocivas para a democracia ao enviesar a representação política e o processo de tomada de decisão coletiva em favor dos mais ricos. Vale a pena acompanhar.
Jane Mansbridge (Harvard) ministrou a conferência Arthur Allen Leff em Yale no final do ano passado. A conferência, intitulada Legitimate Coercion: Not Just a Matter of Consent, sintetiza os argumentos de Mansbridge sobre o papel da coerção pública nas sociedades democráticas. Mansbridge possui uma das abordagens mais interessantes na teoria política contemporânea sobre as implicações e os limites dos processos deliberativos. Parte das ideias expostas na conferência foram apresentadas originalmente na conferência presidencial da APSA de 2013 "What is Political Science For" (o link para uma versão preliminar da palestra se encontra abaixo). Agradeço a Renato Francisquini pelo texto!
Amanhã, segunda-feira (09/02),Thomas Picketty (Paris Economic School) será o entrevistado do programa Roda Viva exibido pela TV Cultura. Os economistas André Lara Resende (FEA) e Vinícius Torres Freire (Folha) estão entre os entrevistadores convidados. Veja a chamada abaixo:
No programa da próxima segunda-feira (9), Thomas Piketty desenvolve sua tese de que o acúmulo de renda em países desenvolvidos é maior que as taxas de crescimento econômico
Na próxima segunda-feira (9), o Roda Viva recebe em seu centro o economista francês Thomas Piketty. É dele o livro O Capital no Século XXI, que chegou no Brasil em novembro de 2014 e, em 10 dias, teve 30 mil exemplares vendidos. O programa vai ao ar às 22h, na TV Cultura.
Piketty defende a tese de que o acúmulo de renda em países desenvolvidos é maior que as taxas de crescimento econômico. Ele passou mais de dez anos realizando pesquisas nos Estados Unidos e Europa. Outro argumento que defende é a necessidade de um imposto progressivo sobre riquezas. Segundo o escritor, a concentração de capital nas mãos de poucos é uma ameaça à democracia e deve ser combatida por meio de taxação das grandes fortunas.
Thomas Piketty nasceu na pequena cidade de Clichy, localizada nos subúrbios de Paris. Formado em economia, foi professor assistente no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e o primeiro diretor da Escola de Economia de Paris. Nascido em 1971, ganhou em 2002 o prêmio de melhor jovem economista na França. Foi também assessor econômico de Ségolène Royal, do Partido Socialista da França, na campanha presidencial de 2007. Em 2013, publicou o livro O Capital do Século XXI, que já vendeu mais de um milhão de cópias ao redor do mundo.
Participam da bancada de entrevistadores André Lara Resende, economista; José Paulo Kupfer, jornalista, colunista de economia do jornal O Estado de S.Paulo, articulista do jornal O Globo e comentarista da TV Estadão; Robinson Borges, editor de cultura do jornal Valor Econômico; Ricardo Ferraz, repórter do Jornal da Cultura; e Vinicius Torres Freire, colunista de economia do jornal Folha de S.Paulo. O Roda Viva ainda conta com a presença fixa do cartunista Paulo Caruso.
Todos os anos um grupo de professores e professoras das universidades norte-americanas são convidados a selecionarem os melhores artigos de filosofia do ano (no caso, referente ao ano editorial de 2013) e publicam o resultado no Philosopher's Annual(alguns dos artigos ganhadores estão abertos!). Na área de filosofia política os dois artigos escolhidos foram publicados na revista Philosophy and Public Affairs: um trabalho de Lea Ypi (LSC), sobre a imoralidade do colonialismo e o comentário deFrederick Neuhouser (Columbia) sobre a crítica de Rousseau da desigualdade econômica. Interessante notar que nos dois casos tratam-se de assuntos "marginais" na filosofia de língua inglesa.
É com muito prazer que divulgamos o lançamento da tradução brasileira de Na Esteira da Tecnocraciano último mês de janeiro. O lançamento é concomitante, portanto, ao lançamento da versão em inglês!
O livro de ensaios de Habermas é dedicado aos dilemas da política européia (ver o post Habermas e a sedução tecnocrática), conta com a tradução de Luiz Repa (USP) e faz parte da coleção das obras completas de Habermas organizada pela Editora UNESP. É reconfortante saber que além dos livros clássicos já traduzidos pela coleção - tais como Teoria e Práxis (por Rurion Melo) e Mudança Estrutural da Esfera Pública (por Denilson Werle) - contamos também com um dos trabalhos mais recentes de Habermas traduzido por um especialista em sua filosofia. Agradeço a Rurion Melo pela indicação!
Os 14 ensaios que constituem esta obra, a 12ª da sériePequenos escritos políticos, contribuem para o reconhecimento de Jürgen Habermas como intelectual público no Brasil. No país, a maior parte de suas análises da conjuntura social e política e avaliações sobre o estado da democracia na Europa ou no mundo permanecem praticamente desconhecidas do público, principalmente por estarem disponíveis apenas em alemão.
Na série, o filósofo se debruça sobre a última meia década da história da mentalidade alemã, ao “fixar-se” sobre a cena nacional, quer da antiga, quer da expandida República Federal Alemã. E sua área de abrangência amplia-se enquanto se desencadeiam eventos como o atentado de 11 de setembro de 2001, a Guerra no Iraque e a divisão do Ocidente, que se refletem sobre a autocompreensão nacional em meio a questões relativas à nova ordem mundial e à unificação europeia.
Os assuntos europeus continuam presentes neste volume. Agora, escreve Habermas, porque “a crise dos bancos e das dívidas públicas, que repercute na economia real, desafia a Alemanha a dar um passo qualitativamente novo rumo a um Núcleo Europeu politicamente unido”.
O tema é aqui complementado por artigos que vão além do momento atual. Os três primeiros textos do livro retomam a relação entre judeus e alemães, assunto que, diz o filósofo, “toca nos nervos mais sensíveis de nossa autocompreensão política”. O volume traz ainda a série de discursos de agradecimentos e de elogios de Habermas, sobretudo de instantâneos de amigos e colegas.