quinta-feira, 19 de maio de 2016

Medeiros: Meio século de desigualdades no Brasil

Marcelo Medeiros (UNB/IPEA) resenhou o livro Trajetórias da Desigualdade no Brasil (ver aqui um post sobre o livro) para o último número da Revista Brasileira de Ciências Sociais (a edição pode ser encontrada aqui). O livro Trajetórias foi o fruto de um ambicioso projeto de pesquisa que reuniu dezenas de pesquisadores e pesquisadoras com o objetivo de mapear os padrões de desigualdade ao longo dos últimos cinquenta anos no Brasil, utilizando principalmente informações dos sensos nacionais. 

A grande conclusão da obra é que podemos afirmar que nossa gritante desigualdade sócio-econômica diminui durante a democracia, ainda que, como era de se esperar, tenha afetado diferentemente grupos sociais e geográficos distintos. O grupo de pesquisa de Medeiros, por outro lado, tem apontado para uma outra conclusão. 

Em seus trabalhos utilizando os dados do imposto de renda, metodologia similar a adotado por Piketty e Saez e mais sensível às variações no topo da distribuição, o grupo de Medeiros tem procurado mostrar que a desigualdade no país entre o 1% mais rico e o resto da distribuição, encontra-se estagnada - no mínimo desde 2006. Como já dissemos aqui os dois projetos representam um dos debates atuais mais interessantes (e politicamente relevante) das ciências socais brasileiras.

Entretanto, essa divergência metodológica e de resultados não significa necessariamente que os estudos sejam contraditórios. É inegável que o país tenha passado por uma revolução no número de pessoas incluídas no mercado de trabalho e nos serviços públicos, além é claro da redução da pobreza extrema. Caso ambas as pesquisas estejam corretas, o que os trabalhos do grupo de Medeiros apontam é que o custo da revolução inclusiva pela qual passamos na última década poupou justamente (e injustamente eu acrescentaria) o topo da distribuição de renda brasileira. 

Na verdade, é exatamente por meio da diferença entre inclusão e distribuição que Medeiros escolhe analisar as diferentes contribuições do Trajetórias:

"[...] há uma ideia que costura os capítulos: nos últimos cinquenta anos a igualdade no Brasil foi obtida predominantemente por inclusão, não por redistribuição. Isso merece esclarecimentos. Há várias maneiras de se promover a igualdade por meio de políticas públicas, que podem ser agrupadas em duas grandes categorias, igualdade por inclusão e igualdade por redistribuição. A classificação encerra certo artificialismo, mas é útil para entender o eixo no qual giram as ideias do livro.

Políticas de igualdade por inclusão são aquelas que reconhecem certos avanços de uma parte da população, definindo-os como um marco absoluto, e buscam recuperar o atraso do restante das pessoas em relação a eles. São desenhadas para usar os recursos fiscais disponíveis de modo a dar aos que têm menos aquilo que se considera básico ou essencial e já foi garantido a outros. [...] Políticas de igualdade por redistribuição trabalham com marcos relativos. Identificam diferenças e se empenham em reduzi-las, retirando dos que têm mais para redistribuir aos que têm menos. São desenhadas para aumentar a disponibilidade de recursos fiscais para fins redistributivos e realocar vantagens dos que têm mais aos que têm menos. A igualdade por redistribuição é guiada por princípios de equidade"

E conclui:

"É recorrente no livro o fato de a história brasileira ser marcada por uma igualdade por inclusão. Ou seja, a redução da desigualdade por meio de políticas, quando ocorreu, foi determinada por medidas inclusivas em políticas que não foram desenhadas com propósitos explicitamente distributivos." 

A íntegra da resenha pode ser encontrada abaixo. (Por fim, vale notar que o número 90 da RBCS marca uma mudança importante na revista, fundada em 1986 e possivelmente para os demais periódicos abertos no país. A partir desta edição a revista não terá uma publicação física, será publica apenas em formato digital)