O economista José Roberto Afonso (IBRE-GV) publicou no final do ano passado um relatório de sua pesquisa sobre o sistema tributário brasileiro - e a urgência de sua reforma. Entretanto, ao contrário dos argumentos convencionais, Afonso chama atenção para a injustiça social da ausência de progressividade na carga tributária no país: segundo os últimos dados (de 2004), enquanto famílias com renda de até 2 salários mínimos comprometem quase 50% de sua renda com impostos (a maior parte indiretos), famílias no extremo oposto, formadas por famílias com renda de 30 salários mínimos, comprometem apenas 26%. A incidência tributária atrelada ao consumo (e não à renda) e níveis baixos de imposto sobre patrimônio jogam o ônus da carga tributária brasileira justamente sobre aqueles menos beneficiados pela produção da riqueza social.
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Dos tradicionais impostos sobre patrimônio e transmissão, o Brasil mal arrecada 1.5 por cento do PIB.
O imposto sobre veículos (IPVA) arrecada cada vez
mais que aquele sobre imóveis urbanos (IPTU). O
imposto sobre herança é tão incipiente que arrecada
um terço a menos que a parcela federal no seguro
obrigatório para mortes no trânsito. Pior ainda, a
carga do territorial rural mal chega à segunda casa
decimal (0,01 por cento do PIB), ou seja, em todo o
país arrecada menos imposto que os imóveis só do
bairro de Copacabana no Rio de Janeiro. Ora, se
nem conseguimos cobrar tradicionais impostos patrimoniais, como arriscar em um difícil e algo exótico imposto sobre grandes fortunas? Ainda assim,
na hipótese (politicamente) impossível de um brutal aumento na tributação sobre o patrimônio, desse 1 por cento do PIB, isoladamente pouco se mudaria na distribuição da incidência de uma carga global entre 36 por cento do PIB.
- Afonso: "A Economia Política da Reforma Tributária: o Caso Brasileiro"
Resumo:
Sendo o Brasil um dos países desiguais no mundo, seria natural esperar que a reforma tributária tivesse a equidade como um dos itens de sua agenda, se não dos mais importantes. Porém, a questão tem sido ignorada nas
iniciativas de propostas dessa reforma, que, por sua vez, passou a ocupar espaço cada vez menor e focalizado
nas discussões econômicas nacionais. Cálculos e análises sobre porque os mais pobres pagam proporcionalmente à sua renda familiar mais impostos que os mais ricos nunca saíram da esfera acadêmica, e despertando muito mais interesse na literatura estrangeira do que na nacional. A eficiência em gerar uma carga tributária brasileira (na casa de 36 por cento do PIB) muito alta, acima da média das economias emergentes, contribui (ainda que implicitamente) o desinteresse de diferentes governantes em promover e até mesmo em discutir uma reforma do sistema.
A falta de interesse sobre como o ônus do imposto alcançada a sociedade, em especial de pensadores,
políticos e governantes de vocação mais socialista ou à esquerda, reflete uma ideia simplista de que
o gasto público, em especial com proteção social, seria o instrumento único ou suficiente para se
promover uma política pública redistributiva. A ânsia é por repetir o ideal de um estado de bem
estar social, no melhor padrão europeu, mas se ignora que no Brasil é muito maior a concentração de renda, antes e depois da aplicação dos impostos, por serem os indiretos muito superiores aos
diretos.
A falta de politização do debate técnico da equidade fiscal e a falta de vontade política de
governos (de liberais a socialistas) em promover uma reestruturação tributária (que pudesse colocar em risco a elevada arrecadação) são explicações para a ausência da questão
nos debates e para a apatia dos esforços em favor desta reforma.