segunda-feira, 6 de julho de 2015

O que podemos fazer contra a desigualdade?

O economista inglês Sir Anthony Atkinson (Oxford) notabilizou-se ao longo dos anos como um dos poucos economistas contemporâneos a dedicar sua carreira a explicar os mecanismos e consequências da desigualdade econômica. Qualquer estudante de economia passará pelas contribuições inovadoras de Atkinson no campo da mensuração da pobreza e da desigualdade - como, por exemplo, o índice de Atkinson que mede em uma escala de 0 a 1 a utilidade social da distribuição equitativa de um renda qualquer. De forma ainda mais notável Atkinson posicionou-se diversas vezes ao longo de sua carreira como uma das poucas vozes contrárias ao otimismo neoliberal da era Tatcher. Em geral, suas propostas de combate à pobreza e à desigualdade tendem a ser extremamente radicais dadas as instituições socioeconômicas tais como as conhecemos - e considerando o título de "sir". 

Em seu livro mais recente, Inequality: What can be done? (Harvard, 2015), Atkinson unifica mais uma vez economia e política. Por um lado, trata-se de um livro de economia sobre o crescimento vertiginoso da desigualdade nos países desenvolvidos. Por outro, trata-se de uma obra assumidamente engajada: o núcleo do livro é formado por uma série de propostas concretas para reduzir a desigualdade tomando o caso inglês como referência. Além da taxação progressiva da riqueza e da reestruturação do sistema de bem-estar social inglês, entre as propostas mais interessantes de Atkinson encontram-se duas ideias centrais para o igualitarismo do século XXI: um modelo de renda básica garantida e um sistema de "herança mínima universal".




Por renda básica de participação Atkinson propõe uma renda em espécie para todos aqueles e aquelas que participarem da reprodução social, independentemente das atividades serem remuneradas pelo mercado ou não. Desse modo, por exemplo, todos aqueles envolvidos em tarefas relacionadas ao cuidado de idosos e criação de filhos, ou ainda dedica à produção artística ou proteção ambiental, contariam como elegíveis para o rendimento. A vantagem de uma renda de participação é dupla: por um lado unifica e simplifica diferentes programas de transferências já existentes, eliminando os testes de meio e ampliando o universo de cidadãos elegíveis para além do mercado de trabalho, por outro o critério de qualificação adotado por Atkinson - "participação" - seria bem mais restrito do que a Renda Básica Universal de Van Parijs, tornando o programa aparentemente mais exequível do que o último (para um debate interessante entre os dois modelos, ver aqui).

Se a renda de participação tem por objetivo a igualdade pessoal de renda, com a herança mínima Atkinson enfrenta o problema da desigualdade de riqueza - segundo o diagnóstico oferecido por Thomas Piketty, uma forma ainda mais dramática de desigualdade, mesmo nos países mais igualitários do mundo, e que tenderá a se acumular no futuro dado um cenário de baixo crescimento econômico e decrescimento populacional - a famosa desigualdade r > g. A melhor solução para esse problema, segundo Atkinson, é instituir um sistema de herança compulsória mínima para todos os cidadãos a ser "sacada" no início da vida adulta. O sistema seria financiado pela taxação intergeracional e pela taxação patrimonial, "espalhando a riqueza" entre as gerações e garantido uma equidade básica de expectativas financeiras generalizada. A idéia possui um pedigree de respeito na história da economia política: Thomas Paine, os socialistas ingleses e o prêmio nobel James Meade estão entre os defensores de um sistema de herança cidadã como um tipo de direito fundamental de cidadania democrática. 

As propostas desenvolvidas por Atkinson em Inequality já havia sido apresentadas em outras ocasiões. Elas foram resumidas no artigo After Piketty? (2014) do British Journal of Sociology, no qual Atkinson debate os rumos de uma economia pós-pikettiniana. Thomas Piketty por sua vez resenhou positivamente o livro - como era de se esperar - para a revista NY Review (A Practical Vision of a More Equal Society). Piketty reconhece Atkinson como uma das suas principais influências acadêmicas e saudou as propostas como uma "nova [e bem-vinda] filosofia de direitos" democráticos:

"Personally speaking, I must say that I’ve always had certain reservations about the idea of an individual financial endowment. I’ve generally preferred a focus on guaranteed access to certain fundamental goods—education, health, culture among them. But whichever approach you may prefer, the idea of directly linking the estate tax to the allocation of rights that would be underwritten by such a tax seems to me extremely pertinent. The immense advantage of the solution set forth by Atkinson is that it makes it possible to clearly express the notion that the purpose of the estate tax is to underwrite “inheritance for all.” By directly linking the sum given to each person with estate tax rates, we may perhaps hope to change the terms of the democratic debate on this subject".

As diferenças entre a abordagem de Atkinson e Piketty não se resumem à diferença entre distribuição "em espécie" (Atkinson) versus distribuição "em tipo" (Piketty). Em uma entrevista recente para a revista Prospect, Atkinson expressou uma divergência importante em relação às teses de Piketty. Para o economista inglês, qualquer definição de capital deve possuir uma dimensão essencialmente política, e não pode ser confundida com a noção técnica de riqueza: capital é ter os recursos necessários para tomar decisões sobre alocações econômicas fundamentais, sejamos ou não os donos dos recursos em questão.

Capital is ... who decides about the decisions on production which one associates with capital as a productive factor.

Mais do que apenas distribuir riqueza, para Atkinson, precisamos garantir o direito de participação nos meios de produção.